Para os meus taxistas inesquecíveis

Mais dia, menos dia, vocês vão pegar um Uber. Essas tranqueiras da modernidade, tipo Whats Up, Instagram, Selfies, etc… vieram para ficar. Os taxistas vão resistir, promover carreatas, até greves. Mais dia, menos dia, será autorizado. Se não for pelo Haddad, será pelo sucessor do Haddad, que será o próprio Haddad. Duvida? Quer apostar?

Deixa pra lá… 

Voltando ao Uber, na Câmara Municipal, nesta segunda-feira era para ter ocorrido um debate. Virou um caso de polícia, com ameaças de agressão entre taxistas e “uberistas”. Como eu disse, mais dia menos dia o Uber vai dominar a praça. E o dinheiro que você imagina estar economizando no táxi vai acabar nos States, ou na Holanda, ou Tóquio, enfim onde o Uber ou similar instalar sua matriz. 

Só que até lá, permitam-me elogiar os taxistas. Eles e suas seguidas manifestações de respeito e – porque não – até de afeto por aquele que eles conduziram, sempre, ao seu destino, sem nunca falhar.

Aos 76 anos, ainda não me animei a entrar numa auto-escola.

Claro, só consegui atravessar esse tempo do ser carteira de habilitação graças aos meus amigos, os motoristas de táxi. Foram vários. Eu poderia começar falando do Tomazelli e seu Chevrolet 48, já mencionado aqui em croniqueta anterior…

De repente, uma angústia, um aperto na alma. O Tomazelli não foi o único que coloquei nessas colunas do São Paulo São. Também já fiz referência em outro texto ao “Português”, o motorista que me levou até o Einstein, no dia do meu AVC, semi-desmaiado, semi-cego, enxergando um mundo estranho e jamais visto, onde tudo aparecia pela metade.

Duas semanas depois, tive alta fui até o ponto para agradecer ao “Português”. Soube pelos colegas que ele falecera um dia depois de ter me conduzido ao hospital. Não fosse a presteza do motorista eu não teria sobrevivido. Ou ficaria com seqüelas muito mais graves.

Anos antes, entrara para o rol dos meus amigos taxistas o japonês Tikashi. Eu morava num lugar privilegiado, um “predinho” de 7 andares, o único edifício construído na então super-residencial da Gabriel Monteiro da Silva. Talvez tenha sido um descuido da Lei de Zoneamento. Talvez…

O fato é que do meu apartamento de 2 quartos, eu dominava uma enorme área de palacetes, com muito verde em volta. De binóculo, então, podia observar Assis Chateaubriand na cadeira de rodas, no terraço da sua Casa Amarela, babando e tentando escrever mais um editorial para os seus jornais, já em decadência irreversível.      

Eu, na época, trabalhava no extinto Jornal da Tarde ainda no tempo em que o JT era, de fato, um vespertino. Ou seja, pelo menos a capa e duas páginas internas ficavam “abertas”, aguardando o noticiário da manhã. Dependendo dos acontecimentos, às vezes eu ia para o jornal às 7 da manhã. Ou então às 2 da tarde. Até que um dia, Tikashi resistiu: “Discurpa perguntá. Senhor mora Jardim Paulistano e trabalha Consolação, ou mora Consolação e trabalha Jardim Paulistano?”  

Depois veio o José Carlos, do Vermelho e Branco. Na Veja, salários bastante razoáveis me permitiam o luxo do “táxi especial”. Era um tempo de tensões. O José Carlos sabia tudo sobre política. Isso mesmo, política, e numa época difícil. A da ditadura. Até hoje cultivo uma suspeita. Pelos comentários que fazia, desconfio que era informante do SNI. Tínhamos uma espécie de acordo, nunca verbalizado, claro. Ele contava algumas novidades e, ao mesmo tempo, ficava sabendo de todos os meus passos, o que podia ser interessante uma vez que lidava com temas delicados na revista.

Depois, já na Granja Viana, o “Seu Oripes” (Eurípedes) entrou na minha vida trazendo com ele as confidências e inconfidências do que acontecia nos arredores do Morumbi. Oripes é tio do Julio Baptista, então jogador do São Paulo F.C. Quando o sobrinho, atraído pelo futebol europeu, vinha passar férias no Brasil, ele me avisava: nos próximos dias não vou poder atender o senhor. Eu compreendia. O Julio Baptista transformava-se na sua única preocupação.

Mas entre todos taxistas, nenhum tão amigo, tão leal como o Seu Edmilson, que conheci a aprendi a respeitar em Brasília, que batia continência – fruto de sua formação Exército, quando eu me aproximava. Edmilson tinha dois clientes preferenciais. Ou melhor, três. Um era eu. Outro um funcionário do Superior Tribunal Militar. O terceiro era o Johnnie Walker, a quem ele devotava atenção especial.

Mais de uma vez, Débora e Johnnie Walker e eu atravessamos os 1.000 mil km que separam São Paulo de Brasília. Sempre com Edmilson na direção. Eram percorridos com absoluta segurança e tranqüilidade. Eu me permitia cochilar a bordo até que o vozeirão do Edmilson me alertava: “Seu Tão, está na hora do Johnnie”. Dizia isso e já ia procurando um acostamento onde o Johnnie podia esticar as patinhas e fazer suas necessidades.

Às vezes sonho, quando tudo terminar, que vou reencontrar o Johnnie saindo de uma nuvem e correndo na minha direção. Atrás, cada vez mais nítida, a figura do Edmilson. Dois amigos inesquecíveis.   

***

Tão Gomes Pinto é jornalista e escritor. Em sua carreira, atuou nos principais veículos da imprensa. 
 
 

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