Poeira no vento

O valor primordial da riqueza material reside no fato de que, por meio dela, podemos garantir o atendimento às necessidades básicas da vida. Quanto maior essa riqueza, maiores o acesso, o nível de conforto e a qualidade que podemos conferir à nossa saúde, alimentação, moradia e educação (e a esta, em suas três dimensões: pessoal, social e cultural). Natural portanto imaginar que o enriquecimento material e o sócio-cultural devessem caminhar juntos.

Num passado não muito remoto, na medida em que ampliava seu poder aquisitivo, a burguesia ascendente buscava reproduzir o modo de vida aristocrático, no qual reconhecia diferencial qualitativo. A aspiração não se restringia a bens materiais: muito mais do que aos objetos, aspirava-se a um certo modo de ser e proceder, percebido como mais belo, elegante e prazeroso. Frequentar óperas e saraus, patrocinar a produção artística ou ter os melhores preceptores para os filhos eram, para essa burguesia, desejos tão fortes quanto vestir rendas francesas ou exibir cristais alemães. Mais do que por possibilitar a aquisição de objetos, o enriquecimento material era almejado por significar acesso a um valorizado universo de conhecimento, cultura e informação.

No entanto, parte significativa das classes ascendentes na sociedade contemporânea – e a quase totalidade dessa elite que protagoniza os escândalos de corrupção –, demonstra um comportamento muito diferente do dessa antiga burguesia. Vemos essas pessoas aumentando suas possibilidades financeiras e, em consequência, os tamanhos de seus automóveis e casas, intensificando os cuidados com saúde e corpo, sofisticando os alimentos e bebidas à mesa, multiplicando as roupas no closet… mas parece não existir, para grande parte delas, preocupação alguma com a elevação de seu nível de educação e cultura. O enriquecimento material parece ter um objetivo em si mesmo – obter coisas materialmente mais ricas. Como consequência, vemos uma sociedade cada vez mais embrutecida, mesquinha e arrogante, em que uma pseudo-elite (que sabe de cor os nomes das mais sofisticadas marcas de roupas e de automóveis) não sabe citar um só nome significativo nas artes ou na literatura, expressa-se por meio de vocabulário pobre (quando não chulo) e é incapaz de uma atitude elegante, educada ou gentil.

Dorothea Lange :: “Dust Storm Near Mills” :: fotografia sobre papel :: 1935.

Educação e cultura são meios para refletir sobre nossa existência, construir, discutir e transmitir valores, e ampliar a consciência acerca de nós mesmos, do outro e do mundo. Elas nos possibilitam aguçar os sentidos e refinar a percepção, tornando-nos capazes de ver e apreciar a beleza – de uma obra, de um pensamento ou de uma atitude; também permitem que sentimentos como gentileza, delicadeza e solidariedade aflorem nas relações, tornando-as amorosas e construtivas; ainda, colocam-nos numa perspectiva histórica, possibilitando o desenvolvimento de um olhar crítico e o fortalecimento de valores universais como verdade, liberdade e igualdade.

Por si, a riqueza material é como poeira no vento – não têm valor algum. Somente por meio da educação e da cultura podemos nos tornar pessoas melhores – capazes, então, de formar uma sociedade mais justa, agradável e prazerosa para se viver.

***
Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas, produtora de conteúdo e redatora colaboradora do MaturityNow.

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