Outro dia escrevi sobre isso aqui no São Paulo São uma prova de ciclismo curtíssima em Portugal, mas com grau de dificuldade inversamente proporcional à extensão do percurso. Em resumo, uma subida para quem tem pernas de aço (Pedalando para a Glória, agosto de 2018)
E agora mais um desafio deste tipo vai reunir ciclistas dispostos a mostrar que são bons de rampa em Lisboa. Desta vez, a prova, cuja primeira edição aconteceu em 1941 e não se repetia desde 1954, vai mostrar quem é realmente bom de fôlego e de pernas. A subida da rampa do Vale de Santo Antônio tem cerca de 600 metros de extensão e trechos com até 22% de inclinação. É “pirambeira” pra ninguém botar defeito.
Para comparar, a subida à Glória, que já é bem radical, tem pouco menos de 300 metros e inclinação média de 17%. Ou seja, a glória mesmo é chegar inteiro ao final da rampa do Vale de Santo Antônio. Outra boa referência é a comparação com a rua mais íngreme do mundo, segundo o livro dos recordes, a Pen Llech, no País de Gales, com inclinação de 37,45%, que superou a antiga detentora do título, a rua Baldwin, na Nova Zelândia. Os moradores da região foram em busca do reconhecimento mostrando que seus carros, mesmo com o freio de mão puxado, costumam deslizar pelo asfalto. Aliás, há trechos destas ruas que são pavimentados com concreto, pois dizem que o asfalto iria “escorrer” nos dias de muito calor. Ou seja, é quase uma pista de lava…
Mas de volta a Lisboa, a corrida vai premiar aqueles guerreiros que fizerem a prova em menor tempo, nas categorias feminino e masculino, com ciclistas separados por idade. Quer participar? Ainda dá tempo de se inscrever. A competição vai acontecer no dia 17 de outubro, um domingo que promete ser de sol. As inscrições custam apenas 5 euros e podem ser feitas até o dia 10 (https://rampadovale.pt/).
A retomada desta iniciativa, por mais de 60 anos interrompida, tem o objetivo de “devolver às ruas dos bairros de Lisboa, o desporto e o desportivismo, o entusiasmo e o convívio entre participantes, torcedores e moradores”, afirmou a organização do evento. Recortes de jornal das décadas de 1940 e 1950 mostram realmente a população super engajada e na torcida. Das varandas dos prédios da rampa do Vale de Santo Antônio via-se torcedores incentivando a turma do pedal nos trechos mais sofridos. Pessoas ao longo do trajeto, na rua e nas calçadas, também levavam palavras e gritos para que ninguém desistisse pelo caminho. “O trajeto requer um esforço quase titânico dos corredores devido ao íngreme declive de algumas secções da subida, que terá como força propulsora o ânimo coletivo de todos os que assistem ao longo da rampa”, aponta a organização.Mas para quem não quer, ou não consegue, enfrentar tal feito sobre uma magrela, Lisboa e Porto são duas cidades cheias de subidas e descidas que também ajudam a tornear as pernas em uma simples caminhada. Não tem torcida dando berros de incentivo para quem resolve turistar pelas ruas, subindo e descendo (ok, para baixo todo santo ajuda, mas também há desafios: em dia de chuva, tombos por causa das escorregadias pedras brancas e pretas do calçamento português são frequentes…), mas as duas cidades são tão lindas que a gente nem pensa no esforço físico. No Porto, por exemplo, sair da Ribeira, lá ao pé do Douro, para chegar até à Sé Velha, por exemplo, é um festival de ruelas, becos, ruas mais largas, mas todas bastante inclinadas. Até o órgão oficial de turismo de Portugal dá a dica: “a inclinação de algumas ruas do centro histórico é uma condicionante a se ter em conta, por dificultar a experiência”. Mas posso garantir que vale a experiência. E, claro, não está valendo medalha para o menor tempo. Ou seja, vamos subindo, paramos para um cafezinho com uma nata, quem sabe uma tacinha de vinho do Porto… E lá do alto da cidade a vista do Douro, a outra margem com as caves, os rasantes das gaivotas, é deslumbrante.
E em Lisboa os altos e baixos são iguais (ou piores? Não sei bem). Não é à toa que há, por exemplo, o chamado Bairro Alto. Mas para cada esforço nas pernas há um lindo miradouro como recompensa. Quer mais? Que tal uma passadinha por Coimbra, subindo das margens do Mondego até à famosa Universidade de Coimbra. Ou então encarar as escadarias do Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga; em Guimarães, o caminho até o Castelo; aqui pertinho de casa, em Santa Maria da Feira, mas um desafio para alcançar outro castelo e por aí vai.
Quer mostrar que tem pernas de ferro? Força no pedal! Não tem todo esse fôlego, mas não foge das rampas? Então vem passear em Portugal!
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.