‘Setembro Amarelo’ e a importância do resgate do público

O suicídio é um tema delicado, estigmatizado, envolto em tabus e controvérsias religiosas e legais. Muitas vezes, quase um assunto proibido, evitado, como se não existisse, mas que não pode ser ignorado diante das estatísticas de sua incidência. Cada suicídio é uma tragédia, como destaca a OMS, mas antes de tudo, é um grave problema de saúde pública que não conhece fronteiras afetando tanto países de alta renda como países de renda média e baixa, onde quase 80% dos casos ocorrem. 

Embora normalmente subestimado, acredita-se que, aproximadamente, 800 mil pessoas tirem as suas próprias vidas todos os anos no mundo, sendo o número de tentativas estimado em vinte vezes isso. Um ato sem volta… Devastador não só para a vida de quem o comete, mas para quem fica: familiares, amigos e comunidades.

O suicídio é cometido por pessoas de todas as idades, no entanto, tem se tornado alarmante a incidência entre adolescentes e jovens adultos, que se mostram especialmente vulneráveis. Globalmente, os suicídios entre jovens de 15 aos 29 anos responde por quase um terço do total de casos, sendo a segunda principal causa mortis nesta faixa etária. As taxas de suicídio se mostram elevadas também na maturidade entre pessoas com mais de 70 anos de idade. Em termos de gênero, os homens têm o dobro da probabilidade de cometerem suicídio comparado às mulheres, sendo que em algumas regiões este índice chega a ser até quatro vezes maior. 

Os slogans da campanha “Setembro Amarelo” prescrevem um simples e poderoso remédio para prevenção do suicídio: falar… Falar pode ser a melhor solução, bastando em contrapartida que haja alguém disposto a escutar. A escuta ativa, sem julgamento ou críticas. O “você fala, nós escutamos” da missão do Sidewalk Talk – Conversas na Calçada é importante para que as pessoas se sintam seguras em buscar apoio para lidar melhor com as pressões e angústias da vida.

O resgate do público nesta dimensão deve ser antecedido por uma regeneração da capacidade de convívio, da própria vida. Foto: Sidewalk Talk / Divulgação.

Em dimensão mais profunda, o falar e o escutar, combinação reconhecida como um santo remédio na prevenção do suicídio passa pela a humanização do espaço público, das calçadas, pela regeneração da convivialidade, da construção da confiança mútua entre os cidadãos que é proporcionada pelos pequenos contatos públicos. Contatos absolutamente triviais e casuais em si, mas que em seu conjunto resultam na compreensão da identidade pública, o que Jacobs (1961) define como “uma rede de respeito e confiança mútuos e um apoio eventual na dificuldade pessoal ou da vizinhança”. A falta desta confiança é um desastre para a rua e para aqueles que a habitam, que se sentem, assim, isolados diante da complexidade de uma vida sócio, econômica, política e afetiva cada vez mais fragmentada e muitas vezes precária, vazia ou sem sentido.

Neste contexto, como profilaxia às condicionantes do suicídio, deveríamos identificar e promover políticas públicas e iniciativas da sociedade civil que tratam do mal-estar civilizatório dos nossos tempos encontrando outras formas de sociabilidade, de convivialidade, de conexão genuína, capazes de regenerar os espaços de convivência. Em suma, regenerar o público. Na concepção de James Hillman que não se pode tratar das dores da alma sem enfrentar os desafios que se impõem pelas formas de organização e convívio social, as cidades.  

O público em um contexto marcado pela implacável lógica da globalização, dos mercados e do mantra do desenvolvimento está subjugado ao paradigma do crescimento acelerado e ilimitado que distrai os sujeitos do seu mal-estar civilizatório. O homo urbanus, ator e coparticipante do processo de tessitura das cidades, como os define Blaso, Cincotto Junior e Oliveira (2018), se vê capturado pelo ideário performático do produtivismo-desempenho-consumismo, fragmentados e inconsciente da sua realidade antropológica. O utilitarismo na maximização das finalidades econômicas dá o tom da vida e é medida de todas as coisas. Para saciar as suas vontades, “afogam-se nos excessos e excedentes, corrompem o bem-viver”. O eu egocêntrico é senhor à custa do nós da convivialidade. 

Falar pode ser a melhor solução, bastando em contrapartida que haja alguém disposto a escutar. Sidewalk Talk.

O resgate do público nesta dimensão deve ser antecedido por uma regeneração da capacidade de convívio, da própria vida. O desafio em manifesto é encontrar novas formas de convívio, outros caminhos para que floresça a humanidade que está latente em nós para além das diferenças, a socialidade que nos é inata. 

Esta é a dimensão dos afetos que através da atuação de movimentos e coletivos dos mais diversos matizes sociais, políticos, culturais e ideológicos buscam despertar as pessoas para o seu papel de cidadãos para influenciar as decisões da polis, deixando a sua natureza “idiota” e abandonando os seus condomínios. Que enfrentem seus afetos mais primitivos e se encontrem no espaço público, nas ágoras do nosso cotidiano, articulando novos paradigmas de convivialidade como slow food, economia solidária/colaborativa, mandatos coletivos para o bem viver. “Uma cidadania ativa e uma vida urbana vibrante são componentes essenciais para uma cidadania e uma boa identidade cívica” (Rogers, 2014). O sucesso da convivência em sociedade depende da capacidade de seus habitantes e poder público de promover o bem comum, priorizando a “criação e manutenção de um ambiente urbano e humano”.

***
Por Luiz Alfredo Santos e Patrícia Maria Martins do Sidewalk Talk – Conversas na Calçada, que escrevem quinzenalmente no São Paulo.

Referências:

1. Live Life: Preventing suicide. Suicide Brochure WHO v1 draft 0. Department of Mental Health and Substance Abuse, World Health Organization. : http://www.who.int/mental_health/suicide-prevention.
 2. Jacobs, J. 2011. Morte e Vida de grandes cidades. Tradução Carlos S. Mendes Rosa. 3ª ed. São Paulo. Editora WMF Martins Fontes (Coleção Cidades). Título Original: The Death and life of great American cities (1961).
3.  Hillman, J. 1993. Cidade & Alma. Tradução: Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg. Editora Studio Nobel.
4. Blaso, V, Cincotto Junior, S. e Oliveira, V. 2018. Cidades Afetivas: uma via ecológica para o bem-viver. E-metropolis, nª32, ano 9, março de 2018.

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