Trenzinho de bicicletas

Por Marcos Freire.

Que tal levar as crianças para escola pedalando tranquilamente pela cidade? O que pode parecer quase impossível para algumas regiões de cidades como São Paulo, por exemplo, já acontece de forma bastante organizada aqui em Portugal. Os comboios dos miúdos funcionam como um verdadeiro “trenzinho” de bicicletas, com roteiros e horários pré-estabelecidos, em que crianças pequenas conseguem fazer o trajeto casa-escola com segurança e acompanhadas por monitores voluntários, também sobre duas rodas.

Em Aveiro, as crianças entraram na linha em 2017. Foto: CicloExpresso.

O primeiro projeto nasceu em 2015, em Lisboa, por iniciativa de um pai que queria levar seu pequeno ciclista, um jovenzinho de 5 anos já com alguma habilidade sobre as rodas, junto com outros amiguinhos, com segurança para escola. Com o apoio da Associação de Pais da escola e do poder público local, o primeiro “comboio” do CicloExpresso, nome dado ao projeto, partiu com 12 crianças devidamente escoltadas por ciclistas adultos. Desde então, a iniciativa tomou mais corpo e acabou se transformando em um Programa da Câmara Municipal de Lisboa, que neste atual ano letivo já passa por 11 escolas e tem 18 percursos. O CicloExpresso também foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como importante iniciativa da promoção da atividade física nas escolas e já conta com alguns parceiros locais e ONGs que passaram a coordenar toda a organização e implementação da ideia.

Imagem: Reprodução.

A experiência em Lisboa acabou por inspirar outros pais e escolas, que criaram novas linhas e ampliaram a malha do CicloExpresso. Em Aveiro, as crianças entraram na linha em 2017, seguindo o mesmo modelo: percursos pré-definidos, com horários e locais também ajustados à dinâmica das escolas participantes da região. As inscrições são sempre gratuitas e alguns percursos podem ser ajustados com a entrada de novos “vagões” neste comboio de crianças.


Para participar, seja em Aveiro ou Lisboa, é fácil. Basta fazer a inscrição no site do projeto, ter bicicleta própria (não vale bicicleta com rodinhas), saber usar os freios e já se equilibrar razoavelmente. A exemplo de uma linha normal de trem, os “maquinistas”, monitores que lideram o comboio, são os responsáveis por fazer com que os jovens ciclistas parem nas “estações” pré-definidas para que novas bicicletas se juntem ao grupo até a escola. As crianças são orientadas a seguir sempre em fila indiana, sem fazer ultrapassagens (alguém já viu algum vagão ultrapassar o outro numa linha de trem?), sempre prestando muita atenção nos cruzamentos e sinalizações. Cada linha de comboio tem um grupo de Whatsapp, no qual os monitores compartilham informações com os pais sobre a localização de cada “composição”. Para cada 4 crianças há um monitor maquinista, que podem ser pais, mães ou representantes das entidades parceiras locais, todos devidamente treinados para assumir a função.

Área destinada ao estacionamento de bicicletas, dentro de escola de alunos do 1º e 2º Ciclo que moram nos bairros próximos. Foto: CicloExpresso.


Iniciativas como essas acabam por validar e dar sustentação a outras ideias que por aqui pretendem colaborar para Portugal avançar de forma acelerada na adoção da bicicleta como uma modalidade mais presente nas locomoções nas cidades. É o caso de uma das metas que acaba de ser anunciada pelo Ministério da Educação, também ligada à mobilidade infantil: as crianças devem aprender a andar de bicicleta até os 10 anos de idade em ambiente escolar, controlado, para que possam, a partir daí, começar a ganhar o espaço público. Para tanto, acaba de lançar um manual técnico que servirá de apoio para as escolas e os professores desenvolverem os projetos “Desporto Escolar sobre Rodas” e “O Ciclismo Vai à Escola”. Além do incentivo (as aulas serão opcionais) e do apoio técnico, as escolas deverão começar a receber bicicletas a partir do início do próximo ano letivo, em setembro.

Mapa da linha Pedro Arrupe – Parque das Nações em Lisboa. Imagem: Reprodução.


Os alunos do primeiro ciclo, o equivalente aos quatro primeiros anos de escola, vão aprender a andar de bicicleta dentro da escola, em espaços mais controlados e seguros. A partir do segundo ciclo, ou seja, do quinto ano em diante, passarão a ter formação já em espaço público, nas ruas, tanto em trechos de menor quanto de maior densidade. A ideia é ter grupos pequenos, de no máximo cinco bicicletas, sempre acompanhados por professores experientes. Com isso, o ciclismo deve passar a ser uma matéria complementar na grade curricular, ao longo de toda a vida escolar das crianças. Entidades ligadas ao mundo da educação e do ciclismo ainda veem algumas oportunidades de melhoria na proposta apresentada e talvez alguns pontos acabem sendo revistos, mas a percepção geral sobre a iniciativa é bastante positiva: “aprender a andar de bicicleta é tão essencial como nadar ou correr”. Se depender do trenzinho dos miúdos, ninguém mais vai querer ir para a escola de carro ou de transporte público.

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Marcos Freire
Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país.

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