A pesquisa está inserida em um conjunto de estudos desenvolvidos pelo Grupo Metrópole Fluvial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, (FAUUSP), coordenado pelo professor Alexandre Delijaicov, também orientador deste trabalho de mestrado. Cada membro do grupo desenvolve projetos para os rios urbanos em São Paulo, baseando-se nos conceitos norteadores apresentados pelo professor Delijaicov, que estuda o assunto há mais de duas décadas.
O grupo se formou para a elaboração do Estudo de Pré-Viabilidade do Hidroanel Metropolitano de São Paulo, realizado em 2011, e desde então vem agregando novos estudantes interessados no assunto das metrópoles fluviais. Esse primeiro estudo foi feito, como indica o próprio nome, para a escala da metrópole, e é base teórica para os trabalhos desenvolvidos pelo grupo no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão universitária. Os estudos se alinham à Política Nacional de Recursos Hídricos (LEI Nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997), que considera a necessidade do uso múltiplo das águas, ou seja, o uso das águas urbanas para abastecimento, macrodrenagem (manejo das águas pluviais e fluviais), navegação, lazer, energia e irrigação. São todos esses usos igualmente importantes, que devem ser considerados em um projeto multidisciplinar que reconheça que as águas são um bem público e um recurso natural limitado, cujo uso deve ser racionalizado e diversificado de maneira a permitir seu acesso a todos.
Para o desenvolvimento de seu projeto, foram escolhidos três cursos d’água, em uma sequência de afluências: canal Pinheiros, córrego Jaguaré (afluente do Pinheiros) e córrego Água Podre (afluente do Jaguaré). O objetivo da escolha de rios de dimensões distintas, sendo o Pinheiros um rio de escala metropolitana e o Água Podre, um pequeno córrego na escala do bairro do Rio Pequeno, deve-se à intenção de desenvolver projetos distintos para cada um deles, que poderiam servir de referência para outros cursos d’água de mesma escala. Distintos em dimensões, porém complementares, visto que a base do projeto, a rede hídrica, une todas as águas e deve funcionar como um conjunto que abrange toda a metrópole.
Os rios urbanos funcionariam como feixes de infraestrutura compostos pelo canal aberto central, por onde passam as águas fluviais e os canais subterrâneos, dois em cada margem, para captar separadamente esgoto e águas pluviais. Tendo como base esse feixe de infraestrutura que se ramifica em toda a metrópole, um sistema de parques é definido nos mananciais, na foz e ao longo dos canais. Assim, de modo capilar, percorrendo toda a metrópole pelo caminho das águas, o tecido urbano se reconstituiria, partindo de novas premissas, sendo a principal delas a retomada da presença das águas como elemento constituinte de uma paisagem com qualidade ambiental e urbana.
Orla fluvial do canal Pinheiros
Para o canal Pinheiros foi idealizada a criação de cais alto em ambas as margens, que são lajes no nível das pontes, sobre as vias expressas marginais existentes. No cais alto é implantado o bulevar fluvial, uma avenida arborizada que acompanha todo o canal e é compartilhada por pedestres, bicicletas, transporte público e carros. Do cais alto se tem acesso ao cais baixo, que está no nível mais próximo ao nível d’água do Pinheiros. Nesse patamar há apenas passeios para pedestres e ciclistas, além de estabelecimentos voltados para o canal com atividades de comércio ou serviço: bares, restaurantes e galerias, entre outras atividades relacionadas ao lazer e cultura. Também é no nível do cais baixo que se encontram os portos urbanos fluviais previstos no projeto do Hidroanel Metropolitano de São Paulo. A ideia do cais alto se baseia na forma como foram construídas as orlas de cidades europeias, como Paris, que serviu de referência para essa pesquisa. O nível térreo atual, que é o nível das vias marginais, se transforma em subsolo, e é construído um novo nível térreo, sobre as vias.
Atualmente o canal Pinheiros é uma barreira que separa as duas margens da cidade de São Paulo. No trecho estudado, de 10km, entre a barragem do Retiro (próxima à confluência com o canal Tietê) e a usina da Traição (próxima à avenida dos Bandeirantes), existem apenas cinco pontes. São quase 3km de distância entre as pontes do Jaguaré e Cidade Universitária. A travessia do canal atende, dessa maneira, apenas o deslocamento em veículos motorizados. A modulação das pontes implantadas na cidade, acessadas através de alças que permitem a manutenção da velocidade dos automóveis, é inadequada para pedestres. A transposição feita em nível, como se propõe o projeto, permite que as pontes se conectem ao tecido urbano sem a necessidade de alças, de modo contínuo e apropriado para o deslocamento a pé.
Ao longo dos 10km do canal Pinheiros inferior são propostas 20 novas pontes. Dessa maneira, a distância máxima entre elas seria de 500m, costurando de fato uma margem da cidade à outra. As águas deixariam de ser barreiras de difícil transposição e esse trajeto seria distribuído pelas várias pontes. Além do aspecto funcional, as pontes trazem oportunidades de encontro com as águas, ora pelo acesso ao cais baixo presente em cada extremidade, ora pela perspectiva possível que se tem sobre a ponte, em direção à perspectiva do rio. Nesse eixo, no fundo do vale vê-se ao longe o horizonte, uma visão singular na metrópole de São Paulo, tão densamente construída.
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Por Eloísa Balieiro Ikeda no Arch Daily. Matéria sobre o assunto publicada no São Paulo São.