Chileno, vencedor do ‘Prêmio Pritzker’ reacende debate sobre papel social da arquitetura

Na última segunda-feira (13) o chileno Alejandro Aravena, 48 anos, venceu o Pritzker Prize, considerado “Nobel da Arquitetura”. A premiação, que existe desde 1979, busca reconhecer os maiores arquitetos vivos. O prêmio é mantido pela família Pritzker e a Hyatt Foundation. O vencedor recebe US$ 100 mil e um medalhão de bronze.

Na cerimônia, Tom Pritzker reconheceu a importância do trabalho social de Aravena.

“O seu trabalho dá a oportunidade econômica para os menos privilegiados, mitiga os efeitos de desastres naturais, reduz o consumo de energia e provê um bem-vindo espaço público. Inovador e inspirador, ele mostra como a arquitetura pode melhorar a vida das pessoas.” Tom Pritzker. 

Alejandro Aravena, vencedor da edição de 2016 do Pritzker Prize. Foto: Cristobal Palma / Divulgação.


Empresário e filantropo

Aravena ganhou notoriedade principalmente na última década, com seu escritório Elemental, ao inovar em projetos de baixo custo de habitação social e participando ativamente de discussões sobre políticas públicas habitacionais. O arquiteto é conhecido por desenvolver trabalhos que conseguem unir escala a necessidades locais.

Exemplo disso aconteceu em 2004, quando ele deveria criar um projeto de habitação para 100 famílias realocadas. Sem verba o suficiente para a empreitada, o chileno construiu blocos de concreto, com cozinha, banheiro e um telhado, permitindo que as famílias completassem o resto a partir das suas próprias necessidades e identidades. Se não havia dinheiro para construir uma casa boa para todos, por que não construir meia casa boa para todos — e deixar que eles finalizassem por conta própria?”, disse o arquiteto ao jornal britânico “The Guardian”. A ideia deu tão certo que o valor das casas chegou a quintuplicar e ele se envolveu na construção de mais 2.500 moradias populares no Chile e no México.

O chileno ainda é o diretor da 15ª Bienal de Arquitetura de Veneza, que acontecerá em 2016. Não por acaso escolheu como tema para o evento “Reportando do Front” e se propõe a investigar o papel dos arquitetos na  melhoraria das condições de vida no mundo. Veja o que ele diz na chamada da exposição:

“Nós gostaríamos de aprender com os arquitetos que, apesar da escassez de meios, intensificam o que está disponível em vez de reclamar sobre o que está faltando. Queremos entender quais ferramentas de design são necessárias para subverter as forças que privilegiam o ganho individual sobre o benefício coletivo, reduzindo o ‘Nós’ para apenas ‘Eu’.” Alejandro Aravena

Arquiteto e vencedor do Prêmio Pritzker

É a terceira vez que um sul-americano vence um Pritzker. Os outros dois foram os brasileiros Oscar Niemeyer (em 1988) e Paulo Mendes da Rocha (em 2006), cujos trabalhos já levantavam discussões sobre o papel social da arquitetura.

A vitória de Aravena parece intensificar o debate sobre o papel social e transformador da arquitetura. O Nexo convidou arquitetos e urbanistas brasileiros a refletirem sobre o tema:

Qual o papel da arquitetura no mundo atual? Há um equilíbrio entre a dimensão estética e a sua função social?

“Infelizmente, nas últimas décadas, a arquitetura mainstream foi capturada pelo complexo imobiliário e financeiro servindo como âncora para grandes operações de expansão da fronteira do mercado mobiliário financeirizado. O que percebemos é uma espécie de declínio da utopia modernista da arquitetura como função social na direção da constituição de monumentos ao consumo e submissão da lógica da rentabilidade máxima do solo urbano. Ao menos, percebemos, cada vez mais, movimentos de contestação desse modelo e que estão estruturados em torno do direito à cidade, com participação de arquitetos e urbanistas”.

Raquel Rolnik é arquiteta. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada e diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo, coordenadora de Urbanismo do Instituto Pólis e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Tem livre docência pela FAU-USP.

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“A função estética também tem uma função social. Cidades que têm melhor organização são consideradas cidades melhores para o cidadãos. Não existe uma dicotomia entre estética e valor social.

O Prêmio Pritzker mostra um pouco que é necessário aprofundarmos o debate sobre como fazer com que as pessoas tenham mais acesso à arquitetura. No caso brasileiro reconhecemos na arquitetura seu valor cultural, entretanto os procedimentos para produzir a arquitetura dentro do ambiente público estão sendo cada vez mais inviabilizados. O edifício público sempre foi o que representava a arquitetura que discute a esfera pública. Hoje não é mais assim. Já não se exige mais projetos completos. É importante valorizar o edifício público, é ele que é aberto para todos conhecerem e, consequentemente, coloca as pessoas em contato com as discussões arquitetônicas. As cidades crescem exponencialmente e sem acesso à arquitetura.

É importante que arquitetos que assumem uma visibilidade global tenham o compromisso ético de mostra a importância da arquitetura. É curioso quando olhamos para a história da arquitetura e ver como no período do Modernismo os arquitetos se esforçavam para tomar papeis de líderes. E é isso: ele deve sair do plano individual para assumir sua função social. É muito mais um papel do indivíduo do que da área como um todo.”

Washington Fajardo. Arquiteto, é secretário de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, assessor especial do Prefeito Eduardo Paes para assuntos urbanos e curador do Pavilhão Brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza.

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“Desde a crise de 2008 há no mundo um frequente descrédito da arquitetura como prática relevante para a transformação das cidades, colando o estigma de “edifício icônico” a qualquer projeto que não reproduza a cidade genérica predominante. Nos anos pós-crise mundial a frequente associação de formas arquitetônicas não genéricas a processos de urbanização predadores comprometeu a legitimidade das disciplinas associadas a questões formais – ao desenho – na construção de melhores cidades.

Toda arquitetura é necessariamente política. Ao projetar qualquer objeto, e especialmente um edifício, há sempre implicada uma visão de mundo, que se reproduzirá através da sua existência concreta. É portanto através da formalização – que inclui sua dimensão estética – que esse edifício vai atuar no ambiente urbano. Essa atuação pode ser mais ou menos conservadora ou pode criar rupturas, com uma atuação transformadora dos processos de urbanização.

Hoje surgem novos arranjos produtivos, novos processos de decisão e legitimação das intervenções nas cidades, incorporando uma multiplicidade de atores. O papel e desafio da prática arquitetônica atualmente é o de se incorporar de modo produtivo em um debate mais amplo e recuperar a legitimidade e relevância do desenho – e de sua dimensão estética – nas transformações necessárias na produção do espaço urbano.”

Martin Corullon é arquiteto. Fundador do Metro Arquitetos Associados e organizador do livro “Arquitetura em Diálogo”. Desde 1994 tem colaborado frequentemente com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP.

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“Acredito que a arquitetura continua tendo o mesmo papel de organizar espaços, fazer as pessoas viverem bem. O que o prêmio mostra é que, cada vez mais, nos aproximamos de arquitetos com uma questão social. Antes o arquiteto era visto como alguém que atendia os mais ricos, com projetos do mercado e hoje há uma redução dessa tendência. A arquitetura passou a se dirigir às pessoas mais pobres da cidade.

A arquitetura está se voltando às necessidades urbanas da sociedade. Há pessoas sem acesso às condições mínimas de direitos, como saneamento básico, e a arquitetura busca resolver isso. Outra questão que se discute na arquitetura é a questão da imigração. Demanda-se respostas rápidas para alojamento e a expansão das cidades.

Fico feliz com o prêmio. Mas temos vários arquitetos brasileiros que também têm trabalhos grandes dentro dessa discussão relacionada a projetos para pessoas de baixa renda. Essa é uma característica pela qual os brasileiros se destacam na arquitetura mundial. Espero que possamos ganhar mais prêmios no futuro.

No contexto brasileiro, os arquitetos brasileiros tem que se mobilizar para que nossos projetos sejam cada vez maiores nos programas dirigidos aos de menor renda. Os profissionais, por exemplo, ter mais presença no programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ discutindo como podemos ocupar espaços públicos. Essa função do arquiteto de pensar o coletivo é essencial.”

Elisabete França é arquiteta. Trabalhou durante 10 anos na Secretaria de Planejamento e de Habitação e Desenvolvimento da cidade de São Paulo e foi coordenadora do programa de recuperação urbana e saneamento da Bacia do Guarapiranga e da Bacia Billings. Foi superintendente de Habitação Social da Sehab entre 2006 e 2012. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Kaluan Bernardo no NEXO.

 

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