1917: A história da greve que garantiu as feiras livres na cidade de São Paulo

José I. Martinez.A vida, normalmente difícil para os trabalhadores das fábricas, se tornara praticamente insuportável naquele ano, com o brutal aumento do custo de vida ocasionado pela Primeira Guerra Mundial – enquanto os salários subiram 71 % entre 1914 e 1923, o custo de vida havia aumentado 189%. Isso, em parte, se devia à opção dos industriais e fazendeiros brasileiros de fornecer mercadorias e alimentos prioritariamente para os países em guerra, desfalcando o mercado interno com a consequente alta de preços. Além disso, a polícia reprimia violentamente qualquer manifestação de desagrado, por parte dos trabalhadores, com a situação cotidiana. Policiais entravam nas casas de operários prendendo líderes e reprimindo qualquer reunião em grupo.

Com a morte de Martinez, jovem anarquista de família imigrante espanhola, a capital paulista parou. Martinez era arrimo de família e todos dependiam dele para sobreviver. Sua situação espelhava os diferentes e precários arranjos familiares de muitas outras famílias imigrantes da época.

A identificação foi imediata. O cortejo de seu funeral percorreu uma cidade em choque, silêncio e dor – da rua Caetano Pinto, por toda a avenida Rangel Pestana até a Ladeira do Carmo. Tudo estava lotado, com pessoas em luto por causa da morte do jovem trabalhador.  

Nos dias seguintes, o comércio fechou as portas, não se fabricava mais pão nem se vendia leite. O governo, apesar de intensificar ainda mais a repressão matando líderes e operários, perdeu o controle da cidade.  Mesmo com o número de trabalhadores mortos pela polícia crescendo, os grevistas conseguiram emboscar alguns policiais e os mataram. O clima era terrível.  

Foi nesse estado das coisas, que o governo resolveu negociar com os grevistas. Os operários, então, apresentaram reivindicações, que incluíam o aumento de salários, mas abarcaram um leque de problemas da cidade. O encontro entre governo, empresários e líderes de trabalhadores aconteceu na sede do jornal mais importante da cidade, O Estado de S. Paulo, local em que a oligarquia paulista se sentia à vontade.  

Entre as muitas reivindicações políticas dos grevistas, reunidos em torno do Comitê de Defesa Proletária, um dos pontos fundamentais foi o congelamento dos preços dos bens alimentares e o aumento e a fiscalização dos mercados e feiras livres da cidade.

Espaços de comércio e sociabilidade, as feiras são uma conquista dos operários. Foto: Acervo FAPESP.

Entendia-se na época que as feiras eram os locais mais apropriados para se comprar alimentos e que, portanto, deveriam ser ampliadas – em número de ruas e bairros atendidos, bem como em tamanho e número de feirantes – e fiscalizadas pelo poder público para os alimentos chegassem com preço acessível à população.

São Paulo havia sido uma das primeiras cidades do país a ter feiras livres. Elas foram regulamentadas em 27 de novembro de 1909, pelo decreto n. 28 de autoria do vereador José Oswald.

Em 1917, portanto, fazia poucos anos que a feira fazia parte do cotidiano de abastecimento da cidade. Do início, as feiras tornaram-se extremamente populares, eram um lugar onde se podia comprar e vender alimentos com preços acessíveis, muitas vezes direto dos pequenos produtores da cidade.

Vendedora de galinha no centro de São Paulo, em 1910, época em que o governo começou a organizar o comércio de alimentos. Foto: Vincenzo Pastore / IMS.

Desde a Idade Média, os espaços de feira sempre se caracterizaram por essa mistura de gente, comida, encontro e festa. A palavra vem do latim e está relacionada a feriado. Garantindo a feira em suas reivindicações, os grevistas além de espalhar pela cidade uma maneira de vender popular, construíram um espaço de encontro, sociabilidade e liberdade.  

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