Adeus, Tatiana Ivanovici

Algumas histórias são interrompidas e nos deixam a sensação de que o final ainda não foi contado, os capítulos omitidos flutuam como penas na atmosfera pesada da realidade. Do lado de cá estamos ainda pasmos com a notícia, assustados com a perda e lidando com a finitude no silêncio. Não se espera que a morte venha tão cedo para uma pessoa tão cheia de vida e de planos, não se imaginava que aos 36 anos a vida lhe pregaria tal rataria.

Tatiana Ivanovici, que morreu nesta terça (10), era ávida conhecedora dos becos e vielas. Pós graduada na rua, virou jornalista e descreveu, como pouquíssimos, a periferia. Sem glamurização, sem frescura, meteu muito o pé na lama pra contar as histórias da favela e com o mesmo boot fez muita reunião com engravatado pra traduzir a língua da quebrada.

Foi importante pro rap nacional, pro jornalismo, pro mercado de consumo, mas acima de tudo foi importante pra muita gente. Tati tava com o facão cortando o mato e abrindo o caminho para que uma galera pudesse passar depois. Incansável, fez seu corre e destravou muita fita, conseguiu muito contato e fez muita ponte por aí. Ela era a própria ponte entre a redação e a rua, entre o escritório e a realidade. Ela era foda e vai deixar muita saudade.

Um câncer silencioso, rápido e destruidor no pâncreas a levou de surpresa, sem tempo para despedidas, de um último abraço ela foi pro lado de lá. Aqui ficamos para não deixar o mato cobrir a trilha que você abriu. Vá em paz guerreira.

Para entender a caminhada da Tatiana Ivanovici dá uma lida no DoLadoDeCá

“O hip hop é um jogo curioso, inicia suas ações movendo as peças pretas e de repente subverte todas as ordens vigentes e acaba alterando o tabuleiro todo. Meus camaradas dizem que não é algo que você faz, é algo que você vive e eu concordo. Entregar seu tempo a causa de uma maneira tão intensa é para poucos, poucos conseguem fazer com que sua causa se torne algo maior até do que sua própria vida. Acredito que a Tati foi isso. 

Existem uma série de elogios que podemos listar para definir a pessoa dela, falar sobre o quanto ela foi importante para mim, para o hip hop e para a periferia, mas acho que a coisa mais bonita que ela fez e fazendo isso nos ensinou a fazer também, foi acreditar. Sonhar e acreditar a ponto de realmente mudar as coisas.

Tem umas pessoas que são como despertadores, nos acordam pra vida simplesmente por fazer o que nasceram pra fazer, falam, correm, fazem conexões, ligam pontos que aos olhares menos cuidadosos parecem desconexos. Mas ai vem alguém como a Tatiana e mostra o quão tudo continua sendo uma coisa só e que não pode se dividir. Uma vez o KL Jay disse que o hip hop é a mente livre, um ajudando o outro. Partilhamos da mesma terra no mesmo tempo, o melhor que podemos fazer para nossos semelhantes é compartilhar as bençãos que nos são dadas por uma força maior que rege todo o universo. Nesses momentos eu prefiro sorrir e guardar na mente o sorriso dela, lembrando o quão felizes somos de poder ter tido a honra de conviver com alguém tão especial e que teve uma jornada tão breve, 36 anos. É dificil, mas seguimos em frente, fazendo o que acredito que a Tati fez muito bem seja no Yo, na MTV, nas produções pelo Brasil a fora, ou no seu incrível projeto Doladodecá, que foi acima de tudo sonhar e acreditar.
Hip hop é isso, o resto é confusão do tempo em que vivemos.” 
Emicida

“A primeira vez que eu vi a Tati foi na TV. Já gostei dela desde o princípio, meio maluca, mas com muita firmeza e conhecimento sobre o que estava falando. Em 2004, quando o Pentágono concorreu ao VMB, eu a conheci pessoalmente. Nós chegamos a MTV totalmente crus, mas ela nos ajudou e nos deixou confortáveis para falarmos, nos comunicarmos e expressarmos o que queríamos.
Eu já vi a Tati brava quando precisava, mas também já a vi lutando pelos direitos dos artistas, quando mereciam. Desde a época em que ela estava na frente das câmeras até quando ela passou para trás delas, ela teve uma postura forte com o hip hop e a periferia, sempre lutando pelos seus ideais.
Quando ela criou o DoLadoDeCá, sempre me apoiou em todos os meus projetos e shows. A Tati foi uma grande guerreira que lutava pela periferia e pelo rap, o que muita gente não sabe. Ela tinha algo para dizer e para mostrar, uma luta maior que tudo isso. Fui pego de surpresa, estou mal com a sua partida, ainda mais porque o hip hop e a periferia estão perdendo uma de suas maiores militantes. Só nos resta ficar tristes quando vai um dos nossos, por perdermos alguém que luta pela causa. Nós perdemos força, mas eu espero que outras pessoas se inspirem no trabalho dela, que mais jornalistas façam o que ela fez pelo hip hop. Ela é só exemplo para mim, espero que ela esteja em um lugar de paz, onde ela mereça.”
Msário

“Ser de luz, amiga de todas as horas, sorriso que não cabia nesse plano. Feito leoa, mãe, fazia de tudo pra proteger nossos sonhos.” 
Criolo

“Tatiana Ivanovici era intensa. Eu a conheci pela TV como VJ do Feijão MTV. E na mesma época ela namorava um amigo meu do skate. Mas não tivemos muito contato. Nossa amizade se fortaleceu aos poucos até que ela me chamou pra um teste. Pra ser VJ/Apresentador do YO! Mtv Raps. Depois do meu teste ela disse que tinha sido um dos melhores que ela tinha feito e que tava em dúvida entre mim e o Richard Hebano Benicio, mas a TV tinha um nome de sua preferência (Thaide). Quando Thaide foi efetivado no programa ela disse que eu podia sugerir e fazer a matéria que quisesse pro Yo. Entao eu sugeri a matéria sobre o primeiro show grande solo do Sabotage que ela, até então, conhecia pouco. Mas confiou em mim e na minha indicação. Desde então fizemos algumas outras paradas por lá. E rimos muito juntos, como em quase todas as vezes que nos encontramos. Há tempos não a via, mas sempre acompanhei sua caminhada. Fez muito mais pelo rap do que você imagina. Triste vê-la partir assim… Mas feliz por tê-la conhecido e trabalhado junto. Vá em paz… Espero que boas coisas te aguardem por lá. E a sua, a nossa caminhada, continua DoLadoDeCá. Faz a festa, véi… (frase que ela dizia sempre no Feijão MTV).”
Kamau

“Quando soube do ocorrido, fiquei muito sentido. A Tati era uma das figuras ativas do hip hop mais gente boa e firmeza. Com ela não tinha tempo ruim, nem nariz empinado. Quando penso nela, lembro das paradas da MTV, quando ela produzia o Yo!. Ela sempre segurava a maior onda e fazia questão de garantir que tudo corresse bem, que a gente se sentisse confortável, aquele lance da hospitalidade. Podíamos chegar com trinta negos lá na tevê que não pegava nada, ela arrumava lugar pra ficar, lugar pra gente fumar. Sempre firmeza, sempre na linha de frente. Ela também era uma das pessoas que sempre colavam na laje, era amigona da Negra Li e da Dina Di.”
Helião – RZO

“Eu conheci a Tati nos rolês, acho que ela ligava o Pentágono, um grupo do qual eu fiz parte durante dez anos. E ela sempre admirava, falava que a gente tinha uma pegada diferente. Me aproximei mais dela quando a gente foi gravar o Yo!, e ela era diretora do programa. O Thaíde apresentava na época. E eu lembro que ela lutou bastante para que tivesse mais tempo de rap na televisão. Tinha só meia hora, acho que esticou pra uma hora, aí eu lembro que o KL Jay entrou e ela continuou sendo diretora e conseguiu uma hora e meia de programa, por lutar pelo rap, por acreditar na parada. Quando eu trombava ela tinha sempre essa questão da luta, de tentar fazer o bagulho aumentar, fez um corre pelas várzeas também, nas quebradas, tinha o portal dela, o DoLadoDeCá, que sempre deu notícia de rap, de várzea, de quebrada. Enfim, uma pessoa muito iluminada, sempre pra cima. É uma pena essa perda pra gente. É muito triste, mas… são coisas dessa vida, a gente fica sem palavras pra dizer. Pela energia que ela me passou, vejo que a passagem dela pro outro lado, o oculto da coisa, vai ser uma passagem tranquila.” 
Rael

“A Tati foi uma precurssora em conectar os dois lados da ponte. Ela foi a primeira em vários aspectos. A começar por ser uma menina branca dentro do hip hop numa época difícil. Uma pessoa que lutava para divulgar o hip hop de um jeito profissional na televisão. Depois ela foi cada vez mais engendrando o hip hop nos lugares e participando de eventos, criando eventos. Ela ajudou muita gente quando começou a trabalhar com publicidade, levou o pessoal. Daí ela criou o DoLadoDeCá, um espaço de mídia para falar da cultura da periferia, movimentava mil projetos. Foi uma pioneira em trabalhar com informação, mídia e hip hop numa época em que isso tudo era bem delicado, o hip hop não estava preparado para ir para a mídia e muitas pessoas eram contra. Ela fazia um trabalho incrível nos bastidores. Nos encontramos milhares de vezes em muitos lugares. Semana passada ela até postou uma foto de quando eu a entrevistei em 1999. Recentemente estive em Fortaleza e a encontrei fazendo um evento de futebol na periferia da cidade. Era uma pessoa muito ativa, que venceu vários preconceitos aí, e que teve uma atuação importante, pois além de ser uma profissional ela era uma ativista. Ajudava em vários projetos, principalmente aqui na Zona Sul. Pô, uma pessoa que ajudou a construir o que o hip hop é hoje.”
Alexandre De Maio

“A Tati não era só parceira do Pagode da 27, ela era amiga. Frequentávamos os mesmos lugares, tínhamos as mesmas ideias, e defendíamos a mesma causa, que é lutar pelos direitos e difundir, mostrar tudo de melhor que existe dentro da favela. Foi assim que a gente se conheceu. Ela se identificou com a causa do nosso projeto e nos procurou lá no Pagode da 27. Nessas ela virou parceira em várias coisas que dizem respeito ao Pagode da 27. Nós até demos a ela o título carinhoso de Madrinha de Todas as Favelas. É isso que as pessoas precisam saber a respeito dela. Tem a ver com a militância dela de abraçar a causa e levar adiante. Ela não era atuante só na cultura hip hop, mas na cultura como um todo, em todas as vertentes artísticas dentro da favela. Ela era ativa em todas. A nossa ligação com ela não era aquele negócio de se ver de vez em quando, a gente se falava direto, e ela sempre foi uma pessoa preocupada com as causas do povo da periferia. É como se fosse da nossa família.”
Ricardo Rabelo – um dos fundadores do Pagode da 27

“Quando eu fiquei sabendo, a primeira parada que me deu foi que ela saiu fora rápido porque cumpriu tudo o que tinha que cumprir em termos de evolução espiritual durante essa passagem, tá ligado? Ela se focou tanto nisso que acabou antes da hora. Sabe aquelas pessoas que estudam tanto e fazem a prova de duas horas em meia hora? Eu tive esse impressão. Quando a gente se conheceu, em 1994, ela era uma moleca menor de idade , boba, perdida, engraçada e até às vezes meio pesada. A gente viveu milhões de coisas, algumas bem engraçadas, já fumamos mais de 100 baseados, tomamos enquadro. Já rolou de estarmos os dois na roubada precisando de grana e fazermos mutretas de juntar o equipamento de som que eu tinha com o equipamento de som que ela tinha para alugar no casamento da Soninha que chamou porque sabia que estávamos na roubada de grana. A gente chegou lá e conseguiu queimar o som todo. Com o passar do tempo eu fui vendo ela evoluir e se descobrir pra caralho. Ela achou o que realmente ama e caiu de cabeça nesse negócio., virou um anjo da guarda da periferia e de toda sua expressão. Ela mudou o ponto de vista de muita gente e quebrou preconceito pra caralho e isso por si só é inacreditável, ainda mais quando você tinha em perspectiva aquela moleca de cabelo laranja que colecionava toy art. Ela virou um mulherão, uma pessoa realmente muito importante e cada vez que a gente se encontrava eu percebia sua evolução espiritual, principalmente nos últimos dez anos. A última vez que ela veio aqui em casa faz pouco menos de um ano e a gente só teve conversa sobre evolução espiritual.”
Rodrigo Brandão

“A gente virou amigo trabalhando na MTV, no YO!, ela foi a minha última diretora. Ela sempre gostou muito de rap, além disso éramos do mesmo signo. A gente brincava, ela me chamava de meu irmão do sol e eu a chamava de minha irmã do sol. A gente virou amigo a partir disso, demos uma afastada nos últimos tempos, a gente não tava de mal, não, mas demos uma afastada. Eu fiquei muito surpreso e triste por ela estar com câncer, eu não sabia. Ela era muito competente em tudo e gostava muito de trabalhar, embora eu sempre achasse que ela trabalhava demais, mas tudo que ela fazia dava certo, ela fazia com muita dedicação. Sempre foi muito trabalhadora e independente, desde muito nova sempre foi muito independente. Muito nova. Não consegui vê-la no hospital nem no enterro, mas fiz minhas orações e tem uma vela acesa aqui pra ela. Isso aqui é uma passagem e nós não podemos ficar lamentando e chorando, porque isso é ruim pra ela espiritualmente. Tem que desejar uma outra vida melhor onde ela estiver.”
KL Jay

***
Eduardo Ribeiro e Peu Araujo na Vice. 

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