Ana Couto: ‘Como empreendedora o que agrego às pessoas?’

Conversei com a Ana Couto, empresária e especialista em gestão de marca, sobre as transformações no mundo do marketing e responsabilidade social da marca, entre outros temas. A conversa é inspiradora. O papo com a Ana vai além do aspecto técnico e de negócios. Faz pensar em como cada um de nós, indivíduos e profissionais, levamos nossas vidas. Confira abaixo a entrevista na Revista Move.

A principal reflexão que uma empresa, seja grande, média ou pequena, deve fazer é qual o papel da marca. O empreendedor deve se questionar: por que existo e por que estou no mundo? Além disso, deve se perguntar: o que agrego às pessoas?

Quem diz isso é a empresária Ana Couto, fundadora da agência de gestão de marca que leva seu nome. Uma das principais especialistas na área no Brasil, ela explica nesta entrevista exclusiva à Revista Move o que faz uma marca se diferenciar no mercado e como alcançar essa condição. Analisa também as transformações no marketing, que cede lugar ao conceito de gestão de marca.

“Não estou dizendo que o marketing vai deixar de existir, mas sim que ele tinha uma função muito clara naquela época (século XX)”, diz. “Quando falamos de branding, estamos subindo uma instância e trazemos essa visão – que é a de construção de valor – para a empresa como um todo.”

No bate-papo, a empresária diz que é possível fazer uma analogia dessa questão com a vida das pessoas. “Aquelas que entendem como é a própria personalidade, seus objetivos de vida, planejam o futuro e pensam no que fazer para alcançar isso, obtém um sucesso muito maior”, afirma.

Designer de formação pela PUC-RJ, Ana Couto tem mestrado em Visual Communication no Pratt Institute, em Nova York, e se especializou em Branding na Kellogg on Branding: Creating, Building, and Rejuvenating Your Brand. Em 2015, formou-se no curso OPM (Owner/President Management Program), na Harvard University.

Fundou a Ana Couto Branding em 1993 com a proposta de trabalhar o design como ferramenta para construir marcas. Entre as empresas para as quais desenvolve ou desenvolveu trabalhos estão Itaú Unibanco, Coca-Cola, Buscapé Company, AES Brasil e Alpargatas, entre outras. Em 2015, foi jurada do Festival de Cannes.

Em maio, lançou a Laje, um núcleo de inovação que atua como um espaço de aprendizado para profissionais e estudantes e consultoria de inovação com foco no setor corporativo. Com curadoria feita por Clarissa Biolchini, sua sócia, a Laje oferece cursos de design thinking, entre outros.

Confira a abaixo a entrevista com Ana Couto.

Revista Move – O marketing das empresas tem sido muito influenciado por questões como sustentabilidade e preocupações sociais, por exemplo. Que análise você faz dessa tendência?
Ana Couto – Temos uma visão – e acredito que o branding evolui nesse sentido – de que as marcas hoje têm um papel importante no mundo. A premiação de causas sociais está muito forte em festivais, como Cannes, por exemplo. É o design tendo um papel estratégico para uma marca, uma peça ou uma comunicação, com impacto social. Vejo isso como um grande tendência. Trabalhamos com a missão de fazer com que as empresas entendam que a sua marca tem de ter um papel positivo no mundo. Não dá mais para ficar em cima do muro, fingir que ela não impacta uma cadeia de consumo. O papel social da marca – e uso o termo me referindo à do iceberg, o que ela representa para o negócio e os consumidores – é muito forte. É uma tendência do século XXI. Nesse sentido Cannes representa bem a mudança. Houve toda uma polêmica a respeito de algumas campanhas que venceram, se elas são relevantes ou se foram feitas para ganhar prêmios, mas essa coisa vai se depurar. O fato é que não dá para trabalharmos no século XXI sem uma visão de construção de um mundo melhor. Isso vale para pessoas e para empresas.  O jovem está nesse caminho. Ele não quer trabalhar só por dinheiro.   O marketing clássico do século XX, que é push e venda, já teve seu tempo.

RM – O que está provocando essas mudanças no marketing e no papel das marcas?  É o comportamento do consumidor?
AC – Vamos analisar os últimos 20 anos. Nesse período, houve um avanço muito grande da globalização. A revolução digital nos trouxe um nível de informação que não havia antes. Todo o poder, que antes estava ligado às corporações, passou para as pessoas. Essa é uma mudança de paradigma nunca antes vista. A revolução digital trouxe a relevância para o nível das pessoas. Pense em AirBNB, Netflix etc. O que vai ficar em pé são as marcas, as propostas de valor que realmente são importantes na vida das pessoas. Isso é revolucionário. Para dar um exemplo, imagine uma marca de tapete de Londres cujo produto foi feito na Índia por crianças. Apesar de ser algo cultural e milenar lá – crianças trabalhando – hoje muitas pessoas podem não compactuar com essa cadeia de valor. Outra coisa é o desgaste do modelo de capitalismo do século XX. O capitalismo é o melhor modelo, mas precisa evoluir. Não dá mais para haver estímulo ao excesso de consumo. A crise do capitalismo está muito exposta, Mas ele vai acabar? Não. Ele vai evoluir para um sistema mais consciente, de preocupação com o planeta, por exemplo. É o contexto em que vive o mundo que indica todas essas transformações.

RM – Um dos efeitos visíveis dessas transformações é que as empresas já incorporaram o discurso da defesa do meio ambiente, causas sociais e sustentabilidade. Mas como separar o que é puro marketing daquilo que é realmente ação?
AC – Conversamos muito com nossos clientes o seguinte: qual é sua proposta de valor – isso é a base do branding. O que você traz de relevante para o mundo e para as pessoas? Quando você constrói uma visão estratégica para a sua marca, entende que isso é a ponta do iceberg. Debaixo da parte visível, há toda uma base de valor que, se não for sólida e real, fica como o vento: vai de um lado para o outro. Temos uma evolução darwiniana. Não são os mais fortes que vão sobreviver, mas sim os que têm maior capacidade de se adaptar. Sobreviver hoje, como uma marca, é algo muito complexo. Veja a Kodak, Blockbuster e outras grandes corporações que, de uma para a outra… A gestão da marca para o CEO passa pelo seguinte ponto: ele tem de pensar hoje como evoluir em termos de negócios sem desprezar a proposta de valor de marca, porque isso, sim, é o fio condutor de seu negócio. As empresas que entendem isso são as que criam relevância para as pessoas. Aí o branding trabalha a relevância perante os stakeholders. Não é só o consumidor, mas também o colaborador, o acionista, a comunidade. Todas as relações de valor. Vivemos um momento de muita atenção – e tensão – a respeito de como evoluir num momento de muita mudança. O negócio vai mudar muito, a proposta de valor da marca é o fio condutor para o futuro e o segredo é ter relevância para as pessoas. Grandes marcas como Coca-Cola e McDonald´s, que entendem que seu produto em si não está necessariamente fazendo um mundo melhor, estão se repensando. E quem se repensar e olhar o mundo de outra forma vai permanecer.

RM – Muitas vezes isso é algo difícil porque passa pela modificação do produto, não?
AC – Sim. Basear a proposta de valor no produto é, não vou dizer equivocada, mas uma visão frágil. O papel do produto é fundamental. O papel dele é “tangibilizar” uma proposta de valor para o cliente. Se ele não entrega isso, a chance de cair em desuso é grande. Um exemplo emblemático do mundo das marcas e dos negócios é a Apple. Ela não é calcada no produto, mas numa proposta de valor. A empresa soube evoluir de uma marca de computador para designers, como era há 30 anos, para algo muito diferente, além do computador. É uma marca que pensa a proposta de valor e usa o produto para “tangibilizar” isso. E produto tem de entregar, não pode ser fake. Aquela coisa “eu amo essa marca” não se sustenta. A gente ama as relações intrínsecas – pai, mãe, família. Com marcas, a gente se relaciona.

RM – Num artigo no Meio & Mensagem, você escreveu que o marketing cedeu lugar à gestão de marca. Pode explicar isso melhor?
AC – Pensando no século XX, quando se começou a vender produtos – no tempo dos 4Ps -, o objetivo muito claro do marketing era a venda. Não estou dizendo que o marketing vai deixar de existir, mas sim que ele tinha uma função muito clara naquela época. Quando falamos de branding, estamos subindo uma instância e trazemos essa visão – que é a de construção de valor – para a empresa como um todo. Então deixa de ser uma função, uma categoria, um exercício do marketing para ser um trabalho de construção de valor da empresa. Nesse processo, todas as esferas da empresa são influenciadas. O RH, por exemplo, não está lá mais só para atender questões burocráticas relacionadas ao colaborador, mas sim para atuar numa dimensão maior. Ele tem de lidar com parceiros estratégicos, financeiros, falando com todos os executivos que constroem o negócio. O valor da marca é a soma de todas essas esferas. Uma coisa muito importante hoje, por exemplo, é a Bolsa de Valores. O ativo da marca na Bolsa tem uma grande importância na hora de comprar uma ação ou investir numa empresa. O consumidor, portanto, não é mais aquela pessoa que apenas compra um produto, como no passado. Hoje muitas vezes ele é cliente, mas também colaborador, investidor – nos EUA há um número alto de investidores na Bolsa. Perceba que há um círculo de papeis exercidos pelas pessoas. Não se pode, por exemplo, deixar de lado uma comunidade altamente impactada por um negócio. Ela tem força para destruir uma marca se não enxergar valor para ela. Por isso a Intel, para citar um caso, está mostrando atualmente de onde vem o minério usado nos chips. Mostra que ele é legal, como foi extraído etc. E a venda daquele chip específico é o valor da cadeia dela. A companhia leva esse produto para o mercado com a visão de que não se pode mais deixar de observar a cadeia como um todo. É um momento muito rico de amadurecimento no modo como se entende o papel das empresas. É a visão de que a função delas não é apenas o de produzir uma mercadoria.  Por isso intangível é o século XXI, e isso vem com toda a revolução digital. O intangível é a marca. Como se faz a gestão dela? Por isso, quem estiver olhando só para a venda, para o próprio umbigo, vai ter mais dificuldade de evoluir e ser relevante nos próximos 100 anos.

RM – O problema é tudo isso se dá num ambiente de pressão muito forte por resultados de curto prazo. Ter capital aberto, como você citou, só agrava essa situação. E um trabalho de construção de marca pressupõe um olhar de médio e longo prazos. Como resolver esse conflito?
AC – Eu sei que não é fácil. Um dos compromissos com nossos clientes é fazer um trabalho aplicável, simples e que gere valor. É preciso ter muito cuidado para não ficar num papo muito filosófico. O principal é entender qual é o papel da marca e buscar relevância. É perguntar: “por que existo e por que estou no mundo?” Essa é uma reflexão que muitas vezes as empresas não fazem, já vão direto para o resultado, para a comunicação. Se bem feito, esse questionamento ajuda muito no negócio, porque tudo fica mais claro para os colaboradores. O seu diferencial é a sua razão de ser. Vejo muitos executivos patinando na busca por diferenciação porque nunca refletiram sobre qual o papel de sua marca no mundo. É possível fazer uma analogia com as pessoas. Aquelas que entendem como é a própria personalidade, seus objetivos de vida, planejam o futuro e pensam no que fazer para alcançar isso, obtém um sucesso muito maior. O branding não é uma coisa teórica e de muito longo prazo. É um instrumental para o dia a dia. Se fizer essa reflexão, você encontra a sua diferenciação e constrói relevância. Pense num restaurante qualquer em que a comida não é boa e o lugar não é agradável. Não agrega nada ao seu cotidiano. Você sabe que aquele lugar não vai dar certo. O dono não pensou em que diferença ele faz na vida das pessoas, além de entregar o arroz e feijão. É preciso construir um negócio no qual haja uma diferenciação. Não adianta começar algo que todo mundo já tem. A chance de sucesso nesse caso é pequena. É complexo.

RM – E isso serve para o grande, para o médio e para o pequeno empresário.   
AC – Exatamente! Tem aquele caso clássico do pipoqueiro. Você conhece?

RM – Qual?
AC – É uma brincadeira bacana. É a história do pipoqueiro que entende quais são os diferenciais dele. Tem uniforme branco, marca, dá lencinho para a pessoa lavar a mão antes de pegar o pacote, faz pipoca de acordo com a personalidade do cliente. Tem todo o diferencial de marca. Então digo que é o brand do pipoqueiro, porque ele pensou no que pode agregar para o cliente dele. É uma pergunta básica: o que você agrega às pessoas?

Clayton Melo Sócio, publisher e empreendedor na Revista Move é também Blogueiro na Istoé Dinheiro.

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