Isso quando é possível sair: “Vila Kennedy com toque de recolher… alô, morador, pare sua vida novamente”, alerta Manu nas redes sociais sobre mais um dos frequentes confrontos e tiroteios entre facções criminosas.
“A falta de segurança me impede de fazer as coisas. Muita gente não consegue ir trabalhar. Nunca deixamos a casa sozinha, por exemplo. Revezamos para sair no final de semana. Vejo as situações de violência e penso que podia ser comigo, mas temos que viver. Para mim, aquele movimento de toda manhã, de gente indo trabalhar e estudar, é superação a cada dia”.
Em Vila Kennedy, Manu vive com a mãe na antiga casa dos avós. Os avós da jovem se mudaram para a região por volta de 1978, quando a mãe dela tinha apenas 5 anos. O bairro nasceu como um conjunto habitacional em 1964, com a inauguração de 5 mil moradias que receberam pessoas retiradas de favelas das áreas mais centrais e valorizadas. Lá, João Gregório e Maria de Fátima criaram as duas filhas. Aos 22 anos, Jane Cristina, filha mais velha, deu à luz Emanoela, que foi criada em Vila Kennedy com a ajuda da avó, falecida neste ano. Manu tem irmãos paternos, mas perdeu o contato com o pai aos 6 anos de idade.
Hoje com 19 anos, Manu já concluiu o ensino médio, trabalha como jovem aprendiz e tem um papel importante no orçamento da casa. E, de um ano para cá, ela incorporou à sua rotina o vai-e-vem pelo Rio de Janeiro. A primeira visita de Manu ao centro da cidade foi em junho de 2014, há pouco mais de dois anos, para ir a uma palestra de emprego. Em 2015, quando pensava em desistir dos estudos, começou a participar de um projeto social da ONG Cieds, organização local parceira do UNICEF na implementação da Plataforma dos Centros Urbanos no Rio de Janeiro.
Como parte desse projeto, a moça participou de um fórum de adolescentes e frequentava mensalmente encontros de jovens, nos quais discutiam os desafios enfrentados por crianças e adolescentes na cidade. Ela também passou a se engajar em uma série de outros projetos e atividades, nos mais diversos lugares do Rio de Janeiro.
Manu costumava falar pouco nos encontros, ela se acha tímida. No entanto, o aprendizado que a jovem vem experimentando tem causado uma revolução interna. E foi andando pelo Rio de Janeiro que Emanoela se descobriu sonhadora, feminista, negra e politizada.
Hoje ela expõe melhor suas impressões com palavras, dando voz aos pensamentos em textos compartilhados pelas redes sociais.
“Minha mente trabalha um turbilhão de coisas ao mesmo tempo e, expondo tudo, acho que vou embolar a mente do povo”.
A jovem lembra que, há um ano, acompanhou um bate-papo sobre o Dia da Consciência Negra promovido pelo UNICEF. Ela conta que o tema havia chegado num momento muito especial.
“Eu estava em transição comigo mesma, sobre ser negra, aceitar meu cabelo, me libertar. E esse encontro trouxe mais uma afirmação para o meu processo. Ele abriu muito minha mente, porque vi pessoas que sabiam se impor, que falavam com propriedade. Pensei, por que não eu? Encontros como esse me dão bagagem para construir a minha luta. Agora, faz pouco mais de um ano que eu realmente me reconheci, que eu me tornei de fato ‘a negra’. Um ano em que a cultura me acolheu e eu simplesmente me apaixonei pela minha raça e por mim mesma. Assumi de fato minhas raízes, meu cabelo crespo, a minha identidade”.
Sobre a Plataforma dos Centros Urbanos
A Plataforma dos Centros Urbanos (PCU) é uma iniciativa do UNICEF e parceiros com o objetivo de reduzir as desigualdades e garantir os direitos de meninos e meninas moradores das regiões mais vulneráveis das grandes cidades.
A participação cidadã dos adolescentes é um dos principais pilares da iniciativa. Foi assim que Manu se engajou em debates, mesas de conversa e fóruns, realizou pesquisa com outros adolescentes e buscou mobilizar mais gente para discutir a situação de jovens como ela.
A PCU acontece no Rio de Janeiro e em outras sete capitais brasileiras. No final de 2016, o projeto encerra sua segunda edição.
A Plataforma é realizada com a aliança estratégica da Fundação Itaú Social e MSC Cruzeiros, e a parceria técnica do Cedaps e do Instituto Paulo Montenegro.
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Por Ana Carolina Fonseca na UNICEF Brasil.