Uma cidade em um processo acelerado e violento de crescimento. É essa a São Paulo retratada nos sambas do compositor Adoniran Barbosa, a quem o intelectual Antônio Cândido chamou de “a voz da cidade”.
Adoniran nasceu João Rubinato em Valinhos, no interior do estado, no dia 6 de agosto de 1910. No começo da adolescência, se mudou com a família para a cidade de Santo André, vizinha a São Paulo.
Trabalhando como mascate, ele passou a circular muito pelo centro da capital paulista. E foi aí que conheceu os tipos urbanos que influenciariam suas músicas, como explica André Santos, que faz doutorado em História Social sobre a paisagem sonora de São Paulo nos anos 1930 e 1940.
“Ele bebe muito dessa fonte desses trabalhadores urbanos, dessas populações mais pobres que circulam pela região central de São Paulo e que também compartilham de uma musicalidade muito particular, principalmente na fala. Adoniran ficou muito marcado por isso: por saber incorporar esses modos de falar que estão circulando em São Paulo, e ele consegue capturar isso e trazer pra sua música”, avalia.
“Adoniran é mais profundo que um quais, quais, quais”, diz cineasta Pedro Serrano
Mas, por trás do ritmo animado e dos “quaisqualigudum”, estavam letras muitas vezes trágicas e que abordavam problemas sociais. A questão da moradia é um deles, como aponta Pedro Serrano, diretor do documentário “Adoniran – Meu nome é João Rubinato”.
“Tudo isso da moradia está muito ligada ao progresso a à questão de como a cidade foi virando essa megalópole de uma maneira desenfreada e pouco planejada e que vai deixando os mais pobres à margem. Hoje a gente tem esse nome muito definido e muito claro de “especulação imobiliária”. Acho que na época ele já cantava sobre isso sem ter essa essa nomenclatura”, diz.
O som transgressor dos morros
A música “Despejo na favela”, gravada por Beth Carvalho, mostra bem o olhar do Adoniran cronista, que sempre se colocava no lugar dos menos favorecidos. Outra característica marcante das músicas é que elas contam histórias.
Foi isso o que chamou a atenção de Maurício Squarisi, criador e diretor da animação “Rubinata”, que homenageia Adoniran.
“As músicas dele são visuais. Parecem roteiros mesmo, porque ele escreve com imagens da cidade. Quando você escuta as músicas dele, você vê o carro que atropelou a Iracema, você vê o Papai Noel que não passou na chaminé. São cheias de imagens. E ele faz dividido em cenas. Se a gente pegar cada música dele, dá pra virar um curta-metragem. Já está tudo ali, roteirizado”.
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Por Raquel Setz no Brasil de Fato.