Exposição mostra o carinho de carroceiros e moradores de rua com seus animais

 
Peço licença a todos para divulgar a realização de um sonho, mas antes é importante dizer como surgiu. Tudo começou há uns 3 anos, quando conheci uma figura extraordinária no bairro onde cresci. O nome dele era Jorge, uma pessoa que acordava muito cedo para ganhar a vida. Ao seu lado uma companheira linda e alegre, uma cadela chamada Pituca.
 
Ele era um carroceiro que buscava nas ruas o seu sustento, pegando material reciclado para vender. Quase sempre a cachorrinha estava com ele e por umas três vezes consegui conversar com esse distinto trabalhador. Passava por volta das 8 horas pela avenida próximo onde morava a minha tia.
 
Jorge não gostava muito de falar de si, mas dizia que tinha vindo do Nordeste tentar a vida aqui e não fora muito feliz. De qualquer forma, lá a situação era mais difícil e até fome tinha passado. “Aqui pelo menos isso não aconteceu.”
 
Dizia que não tinha ninguém aqui. Melhor, que tinha a sua companheira do dia a dia: a Pituca. “Ela fica sempre ao meu lado, não importa como estou. Nos aquecemos (sic) e vivemos os dias um protegendo o outro.” 

 
Eu ajudava sempre que os encontrava, mas, como disse, Jorge não gostava muito de falar de sua vida. Não sabia a sua idade, mas aparentava ter uns 40 anos – pode ser que a vida dura me leve a algum engano em relação a isso. Limitava-se em dizer que se chamava Jorge. 
 
Respeitei o seu espaço, mas a atitude e o semblante mudavam ao falar da Pituca – e como ele gostava de falar dela. O quanto era importante aquela cachorrinha na vida dele. Disse que a achou ainda filhote na rua. Na época em que a vi pela primeira vez, dizia que ela tinha mais ou menos uns 4 anos. 

 
Ele contou que quando não a tinha as pessoas não gostavam muito da sua presença ou nem sabiam que estava ali. “Quase ninguém se aproximava. Agora é diferente. Veja, você está aqui.” Levei um golpe da realidade naquelas palavras. 
 
Fui para o trabalho pensando. Comecei a olhar diferentemente para essas pessoas, a reparar mais. Olhei também para os moradores de rua, como muitos tinham animais. Comecei a ver os detalhes, como havia um cuidado com eles.
 
Depois de um tempo, no caminho para o trabalho, parei e conversei com um morador de uma praça que tinha uma cachorra. Aparentemente, ele havia bebido muito, mas a pequena tinha tudo por perto: água, comida e uma caminha. Isso mesmo, um colchãozinho. Como não estava sóbrio, foi difícil de entender as palavras, mas também não precisava. Tudo o que eu queria saber estava ali na minha frente e no carinho, mesmo que desengonçado, que fazia na cadelinha. 

 
Sai pensando no que poderia fazer para demonstrar essa relação. A fotografia surgiu como uma oportunidade. Foi então que peguei a câmera e sai a procura do Jorge, para fotografar aquele que tinha me despertado para essa realidade. Procurei por muitos dias, mas nunca mais o vi. 
Perguntei para as pessoas da rua por onde ele passava, mas ninguém nem sabia de quem eu falava. Enfim, fiquei semanas à procura, mas nunca mais o achei ou tive notícias. 

 
Não acredito no acaso, por isso transformei esse despertar em um projeto. Tive amigos maravilhosos que acreditaram nesse ideal e me ajudaram. Não vou nem colocar os nomes aqui para não cair no erro imperdoável de esquecer alguém, mas posso dizer o quanto isso transformou a minha vida e espero transmitir um pouquinho disso para vocês também.
 
O Projeto

 
“Do Cinza à Cor” apresenta fotografias em P&B e a transformação dessas cenas em pinturas para despertar a reflexão sobre a importância do amor entre o ser humano e o animal, principalmente no contexto urbano. 
 
Muitas vezes, a rotina intensa da vida urbana nos leva à automatização das nossas ações. Tornamo-nos parte de um sistema tão cinza e robotizado que não percebemos o que está acontecendo ao nosso redor, como o calor das cores e dos sentimentos. 
 
Para despertar o olhar sobre um desses pontos que passam despercebidos por muitos de nós, fui às ruas da cidade de São Paulo para captar cenas e demonstrar a relação de amor que os carroceiros e moradores de rua têm com seus animais e como esse afeto é importante para o dono e o seu melhor amigo.
 
A exposição será realizada de 5 a 19 de novembro, no Espaço Cultural Conjunto Nacional, Av. Paulista, 2.073, São Paulo, com curadoria de Gilberto Miranda, pedagogo e reconhecido nacionalmente como especialista em comportamento animal, com mais de 30 anos de trabalho com bichos de todas as espécies. 

 
A mostra é resultado da captação de dezenas de imagens, sendo 30 obras fotográficas escolhidas em P&B e transformadas em 30 novas pinturas coloridas pelas mãos do artista Marcos Farrell, para demonstrar a existência da emoção nas cores. O intuito das imagens é estimular a reflexão sobre a condição e a relação recíproca de companheirismo e proteção entre o homem e o animal no contexto dos grandes centros urbanos.
 
Nas fotos foram utilizadas técnicas de captação a longa distância e variação de enquadramentos; enquanto a transição para as telas utiliza tinta nanquim, pintura em acrílico, material reciclado, além de efeitos e ferramentas digitais. 

 
O projeto trata de uma questão importante da nossa sociedade, que atinge cidades de todo o mundo, mas principalmente os grandes centros urbanos, como São Paulo. Aprendi com os moradores de rua valores que vão muito além do que eu podia imaginar. A relação dessas pessoas com seus animais tem como pilares a troca ou transferência de afeto, o sentimento de proteção que muitas vezes apenas pais e amigos têm uns com os outros, além da possibilidade de reaproximação com a sociedade. 
 
O animal se torna uma ponte, quebrando barreiras e rótulos que muitos colocam. Essas pessoas deixam de ser invisíveis ou marginalizadas e começam a ser percebidas, voltam a ser humanizadas pela sociedade.
 

O carroceiro e morador de rua Emerson e a sua Julie. Reprodução e pintura: Marcos Farrell.
 
Mesmo com experiência profissional na área de comunicação, sendo mais de 10 anos escrevendo especificamente sobre animais e a relação deles com o ser humano, esse trabalho trouxe a possibilidade de novos aprendizados. Posso dizer que cresci como profissional e como cidadão realizando este projeto. Essas pessoas são sofridas, mas muitas querem dividir experiências de vida e dão o melhor que têm para os animais que lhes acompanham. Esses cães e gatos são fundamentais para elas e ninguém deve acabar com essa relação, pois são bem cuidados e o amor é recíproco. 

 
Para o artista Marcos Farrell, as imagens na cidade têm um olhar poético, transformando uma situação por vezes triste e problemática em uma cena de carinho e sobrevivência entre o ser humano e os animais.
 
“Este foi um tema muito inspirador. Achei de uma sensibilidade muito grande apresentar esta realidade com dois pontos de vista diferentes. Por isso, em muitas cenas usei adereços de materiais reciclados para passar mais naturalismo”, destaca o ilustrador e colaborador Marcos Farrell, que imprime a naturalidade da sua arte nas telas paralelas às fotografias. 

 
O especialista em comportamento animal e curador da exposição, Gilberto Miranda, frisa a importância social de projetos como esse: “Além do tema trazer reflexões importantes para os dias atuais, a emoção contida nas imagens é surpreendente. Muitos cães de rua são relativamente bem cuidados, e, assim como quaisquer animais de estimação, oferecem um apoio vital, de amor incondicional para os desabrigados, que muitas vezes não são percebidos pela sociedade”. 
 
A exposição está sendo organizada pela Unideias, especializada em captação e geração de conteúdo, e tem patrocínio da PremieR pet, empresa brasileira especialista em alimentos para cães e gatos. A realização é do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, para a qual serão doados 10% dos catálogos da mostra. Além disso, parte das obras expostas será doada para a ONG Associação Bem-Estar Animal – Amigos da Célia (Abeac), que cuida de mais de 1.100 cães e desenvolve ações para a adoção responsável.
 
Serviço

Data: 5 a 19 de novembro de 2015. 
Local: Espaço Cultural Conjunto Nacional. 
Endereço: Av. Paulista, 2.073 – Consolação, São Paulo – SP.
Realização: Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura.
Entrada gratuita para visitantes.

Fábio Brito em seu blog Conversa de Bicho.

 
 

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