‘Nunca na minha vida pensei que estudaria na USP’, diz catadora

 
A paraibana Renilda Diniz de Souza, 59, trabalha há oito anos com reciclagem, em Cotia, na Grande São Paulo. Migrou para a metrópole paulistana aos 26 anos, ao lado do marido, em busca de melhores oportunidades. 
 
Filha de uma família rural, com 12 filhos, de Campina Grande, chegou a São Paulo com o ensino médio incompleto. Trabalhou em uma fábrica de panelas e em uma gráfica, ao lado do marido, empregado em uma metalúrgica, para formar os dois filhos em escolas particulares. 
 
Renilda viu um filho terminar o ensino médio e o outro entrar na faculdade de engenharia da automação. Mas foi no começo de 2015 que começou a realizar o próprio sonho de estudar e pisar em uma universidade pela primeira vez como estudante, 30 anos após sair da escola. 
 
“Sei que quem não tem aprendizado e educação não chega a lugar nenhum”, diz. Ela participou do projeto Eco-Eletro, desenvolvido pelo Instituto Gea, em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) e que tem o patrocínio da Petrobras.
A iniciativa promove, desde 2011, a capacitação de catadores em reciclagem de resíduos eletrônicos. O objetivo é aumentar a renda dos catadores de materiais recicláveis da capital e de municípios da região metropolitana, além de evitar que o lixo eletrônico seja descartado em locais inadequados. 

 
Ao total, mais de 260 pessoas já passaram pelas salas de aula da melhor universidade do país, segundo o RUF (Ranking Universitário Folha), para aprender o processamento seguro e mais rentável de resíduos eletrônicos. 

“Nunca na minha vida pensei que estudaria na USP”, diz, emocionada, a catadora. Leia a seguir o depoimento de Renilda à Folha.
 
 
 

“Sou paraibana, de Campina Grande, onde morei em um sítio e fui auxiliar de um dentista.

Há 33 anos, assim que casei, mudei para São Paulo. Afinal, qual nordestino não vem parar nesta cidade?

A princípio, foi um choque me deparar com uma cidade tão grande, mas acabei gostando.

São Paulo é acolhedora e foi onde meu marido conseguiu dar estudos adequados aos nossos filhos. Ele trabalhou como encarregado em uma multinacional, foi o seu primeiro e único emprego, antes de se aposentar com 32 anos de trabalho.

Fomos morar em Cotia, em 1986, foi quando conheci a Marli, umA líder comunitária. Juntas, resolvemos fundar uma cooperativa de reciclagem para trazer melhorias para o nosso bairro, que era muito sujo.

Depois, voltamos a viver em São Paulo. Três vezes por semana eu ia trabalhar no bazar da cooperativa, que vende coisas para ajudar crianças carentes da região. Já em 2007, quando meu marido comprou uma casa em Cotia, fui chamada para me integrar, em definitivo, à cooperativa.

No segundo semestre do ano passado, fui convidada, por meio da cooperativa, para fazer um curso sobre reciclagem de eletrônicos na USP. Eu já tinha pisado na universidade, porque meu filho fez um estágio lá, mas nunca na minha vida pensei que estudaria lá. Aceitei o convite.

Tive muitas dificuldades nas aulas para reconhecer as peças e saber quais defeitos tinham. Na sala, haviam mais três pessoas acima dos 50 anos e foi um desafio para nós, em meio a tantos jovens, porque não nascemos cercado pela tecnologia como eles.

Foi uma coisa de louco. Saí no “Jornal Nacional”. Fiquei realizada e muito feliz porque sei que sem aprendizado e educação não se chega a lugar nenhum.

Foram duas semanas de curso, nos quais me dediquei muito, venci meus desafios, fui afundo porque queria mesmo aprender e que a cooperativa desse um salto de conhecimento.

Agora, sei separar as peças de materiais eletrônicos, que chegam aqui para reciclagem, de forma correta. Também sei como vender esse conteúdo e como fazer toda a documentação para ter uma cooperativa organizada.

Aprendi a trabalhar com material de proteção adequado. Antes, pegava tudo com a mão, não sabia de nada sobre os perigos. Esses materiais são pesados e podem prejudicar a saúde. Também passei a ser a responsável pela proteção dos cooperados.

Com a reciclagem, consigo tirar uns R$ 2 mil por mês, pago o meu convênio de saúde e ajudo em casa. Agora, estou um pouco doente, mas se eu ainda conseguir trabalhar aqui, onde pego muito peso, meu plano é pagar uma faculdade para o meu filho, que tem 19 anos e quer fazer engenharia.

Essa oportunidade na USP me levou a outros estudos, fiz um curso para manusear empilhadeira. Fui ensinar as técnicas aprendidas para outros cooperados na Bahia. Tudo pago pela USP.

Hoje, sou a responsável pelos eletrônicos que chegam na cooperativa. O que antes era só sucata, porque não tínhamos informação, agora é produto reciclável.

Já estou há oito anos na cooperativa e esse trabalho trouxe tudo de bom para a minha vida, mas, acima de tudo, o que eu mais queria: limpar o bairro.

A cooperativa cresceu muito, temos planos de ampliar ainda mais, só não está perfeito porque não temos um galpão grande próprio para armazenar todo o material que chega por aqui.

O Jardim Nova Cotia também melhorou, era bem sujo, mas ainda temos muita dificuldade, tem que ir em porta e porta para falar com os moradores. É difícil conscientizar as pessoas, que jogam lixo do rio, dos problemas que essa atitude causa e das possibilidades que existem para o lixo.

O povo ainda não tem a consciência de levar seus eletrônicos para a reciclagem. Se tivéssemos campanhas e incentivos dos governos sobre reciclagem de eletrônicos, seria bem melhor.”

***
Depoimento a Olívia Freitas na Folha de S.Paulo.

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