São Paulo perde Mitsuaki Shimizu e o milagre dos peixes do Sushi Guen

Responsável pelos meus melhores momentos de felicidade neste meio século de vida, testemunha à distância de todos meus afetos, dos jantares deleitados com filhos e amigos, nas visitas solo e na alegria que sempre insistiu em fincar espantando o mal humor…
 
Shimizu era artista. Era perfeito. Sim existe perfeição. Ninguém manejava melhor do que ele a faca. Ninguém entendia melhor do que ele o segredo e o milagre dos peixes. Ninguém era tão sutíl, simples e sofisticado à frente do Sushigen, templo do prazer, do deleite. Como vou viver sem o tirashi do Shimizu? Onde irei quando estiver triste? Onde irei hoje, agora?
 
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Considero o Sushiguen a extensão da minha casa. Só não frequento tanto o quanto quero, pois o preço deste aluguel está mais salgado do que o shoyu que lá é servido. Mas bato ponto naquele ponto, de uma a duas vezes ao mês, religiosamente. Da salada de ostras saem pérolas gustativas, do combinado de sushi e sashimi, vamos combinar, além das cores, emergem aromas e texturas que confundem a realidade com o sonho e lançam no ar a pergunta: ”será que eu sou merecedora deste estado gustativo de êxtase?
 
”Eu gostava, e queria dizer no presente, “ainda gosto”, de ir ao sushigen, principalmente quando o Shimizu estava. Conseguia identificar quando os pratos eram por ele preparados, sem desprezar a competência da sua equipe. Levava, levo as pessoas de que gosto; homens, mulheres, nas diferentes roupagens de amigos, amigas, amores, filhos, afetos.

Vou também só, na hora do almoço e peço um Teishoku, o “comercial” japoronga. O serviço deve ser pago sempre em dinheiro, depositado numa caixinha tipo cofrinho. Lá não se cobra 10%. Dava, dá quem quer e a casa não arca com encargos de cartões num dinheiro que não lhe pertence. As moças sempre amigas fiéis, conhecem de cor o gosto do cliente. Para mim e para o Bruno, ou para mim e para a Carla Pop Souza, dois tirashis especiais. Quando eu ia com o Xico Guedes, no período em que fomos casados, começávamos com a salada de ostras. Com um ex-namorado, o Raymond, pedíamos uma dose de whisky (sim, tínhamos uma garrafa de Red Label assinado na prateleira), e partíamos pro sushi-sashimi, meio-a-meio.

Foi com o Bruno, meu filho, que viciei no tirashi especial. Vem com ovas, peixes, flor de lótus, omelete doce, camarão, vieira, umeboshi e algas. 

Levei vários amigos especiais, por quem mantive verdadeiro afeto, para mostrar quem eu era. O restaurante fala muito por mim. Não como sushi com cream cheese. Considero temaki uma moda boba de preguiçoso. Saquê com folhas de ouro e sushi de foiè grás, são diversões que me pegaram poucas vezes. Gostava mesmo era da tradição e desempenho impecável do jogo de corte e montagens do rei Shimizu.

 
Eu que não creio, peço a Deus por esse homem, que na distância entre o balcão e eu, tanto soube de mim cuidar. E eu partia, parto, pegando no recipiente do caixa, meia dúzia de balas Juquinha. Ofereço pra você Shimizu, a que mais gosto a amarelinha. Voa doce nesta nuvem de wasabi.

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Márcia Fukelmann é proprietária de Consultoria Gastronômica com seu nome.
 
Ps. Mitsuaki Shimizu nasceu em Kagoshima, no Japão, mas entrou no ramo da gastronomia quando veio para o Brasil, junto com seu irmão. Shimizu chegou ao país em 1959, com 13 anos. Faleceu ontem em São Paulo aos 71 anos.
 
 
 

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