“A Virada é importante, mas insuficiente” diz Nabil Bonduki

“A Virada Cultural é importante, mas insuficiente para fortalecer o centro de São Paulo”, afirma o secretário de Cultura da cidade Nabil Bonduki. Urbanista, homem público e vereador eleito pelo PT em 2012, na chegada de Fernando Haddad à prefeitura, ele assumiu o posto com a saída de Juca Ferreira (PT-BA) para o Ministério da Cultura no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Nessa condição, o político que fez a relatoria do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (aprovado em 2013) enfrenta sua primeira Virada em ambiente aparentemente conturbado. Eu e os colegas Alessandro Azevedo (Jornalistas Livres) e Ivan Longo (Revista Fórum) aguardamos o início da entrevista marcada para as 18h30 da quinta-feira, quando o secretário passa por nós, nos cumprimenta e avisa que está indo às pressas para o Ministério Público. Pepino à vista: o uso do infame Elevado Costa e Silva, mais sutilmente conhecido como Minhocão, ameaça juridicamente a realização do megaevento de R$ 14 milhões e 1.500 atrações, marcada para começar dentro de menos de 48 horas.

É grande o burburinho na secretaria, localizada na Galeria Olido, na av. São João, epicentro da Virada. Confirma-se que caiu o show de Margareth Menezes no maior palco do evento (o Júlio Prestes, na Luz) e que as também baianas Daniela Mercury e Marcia Castro ocuparão juntas a vaga. O show de Fábio Jr., no mesmo palco, também corre perigo. Uma produtora cultural aguarda a volta de Nabil para passar a ele o telefone pessoal de Roberto Carlos e a sugestão para que o “Rei” das biografias não-autorizadas entre para cantar “Jovens Tardes de Domingo” ((1977) nalgum momento das 24 horas de shows em homenagem aos 50 anos da jovem guarda no Palco São João. Outros produtores também montam vigília para tentar emplacar de última hora seus artistas.

Somos persistentes. Nosso chá de cadeira dura mais de três horas. Nabil volta por volta das 21h30, com a notícia de que a programação do luminoso alto do Minhocão foi removida para o não tão luminoso lado de baixo do elevado que, em pleno 2015, leva nome de general-comandante da ditadura civil-militar de 1964-1984.

Somos mídia independente, sem suporte impresso, mas Nabil nos recebe com calma, sem pressa, para uma conversa que fura as 23 horas e passa por denúncias de irregularidades em gestões passadas, o reforço de programação na periferia e a interrupção da programação na madrugada nos palcos de periferia, a incorporação de imigrantes no mapa cultural da cidade, os avanços que o vereador-secretário conquistou em 2015 e você provavelmente não percebeu porque a mídia tradicional abafou ou sonegou.

Quanto à importância insuficiente da Virada, Nabil deixa aflorar o urbanista que habita dentro dele e não deixa de se esparramar pelo mundo: “Dá uma certa tristeza que a rua ao lado do Theatro Municipal tem um monte de térreos ocupados por estacionamentos, pra pessoas que vão ao teatro. Ali deveria haver bares, restaurantes, pro pessoal sair do Municipal e ir jantar, tomar cerveja, se encontrar. É um monte de estacionamentos em lugares que em tese são muito nobres, com comércio de ruas movimentadas. Isso seria fortalecer o centro. Na Virada, um monte de gente vem uma vez ao centro. Isso não mantém o comércio, o cinema de rua. Nossa política precisa ampliar a atração que o centro pode exercer na população da cidade toda”.

Pelo desespero dos funcionários que correm de lá para cá pela secretaria, parece que tudo vai dar errada. Pela placidez do secretário, ao menos diante dos jornalistas (não sabemos como ele é no resto do tempo), parece que tudo vai correr às mil maravilhas. Nabil, que foi superintendente de Habitação Popular na gestão da então petista Luiza Erundina (1989-1992) e secretário de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente no início do primeiro do governo Dilma, afirma estar preparado para a cobertura de mídia conservadora à Virada, rotineiramente direcionado apenas ao que não dá certo no mastodôntico. “Estou preparado, mas estou me preparando para evitar que isso aconteça”, afirma. Em poucas horas saberemos, faça frio ou faça sol.

Abaixo, segue a entrevista do secretário na íntegra. Para quem não se disponha a ler tudo que o secretário de Cultura tem a dizer sobre o cargo, a cidade e o convívio cidadão entre paulistanos e forasteiros, os trechos em negrito tentam fornecer um roteiro dos momentos mais eloquentes da conversa. Boa Virada Cultural a todos nós que aqui estamos.

Pedro Alexandre Sanches – Vou pedir licença aos colegas [Alessandro Azevedo (Jornalistas Livres) e Ivan Longo (Fórum)]pra começar fazendo uma pergunta pessoal. Votei no senhor para vereador em 2012 e agora o senhor virou secretário de Cultura. Como faço para não acreditar que desperdicei meu voto?

Nabil Bonduki – Na verdade, eu fiquei dois anos e meio na Câmara de Vereadores. Nesse período apresentei inúmeros projetos de lei. Fiz a relatoria do projeto mais importante que passou na Câmara, que foi o Plano Diretor. O fato de eu estar de licença da Câmara não quer dizer que eu deixei de ser vereador. Neste ano aprovei três projetos importantes: um projeto de isenção de IPTU dos teatros, o projeto de inclusão dos alimentos orgânicos na merenda escolar e o degestão participativa de praças. Quer dizer, continuei aprovando os projetos que estavam tramitando. Tenho o compromisso inclusive de apresentar alguns projetos mesmo estando aqui na secretaria. Então acho que você não desperdiçou o voto, porque minha atividade de vereador aconteceu e acho que é até intensa. E de certa forma, como secretário de Cultura, estou respondendo a muitas expectativas dos eleitores, pensando várias questões da cidade. Quando uma pessoa vota em alguém, está fortalecendo uma proposta, e eu tenho mais condição de fazer coisas hoje por ser vereador do que se não fosse.

PAS – E deixou um suplente seu lá, do PT?

NB – Tem um suplente lá, do partido, embora isso pra muita gente hoje não resolva, porque as pessoas estão votando mais em pessoas que em partidos. Mas de qualquer maneira acho que continuo cumprindo aquele programa que propus na campanha. E na área do Executivo você realiza mais. Eu diria que desde que assumi a secretaria até hoje, se eu estivesse na Câmara, não teria feito nada a mais do que aconteceu na câmara. A gente tem feito bastante coisa.

PAS – Ficamos esperando pela entrevista porque o senhor teve que ir às pressas ao Ministério Público. O que está acontecendo?

NB – Houve duas representações ao Ministério Público, focadas sobretudo na questão do Minhocão, que questionavam a realização do evento da Virada Cultural no Minhocão, tendo em vista a experiência de 2012, a galinhada que aconteceu no Minhocão e gerou um acúmulo de pessoas. A avaliação que eles tinham é de que o Minhocão não oferece condições de segurança pra realização de atividades relacionadas à Virada. Nós comentamos que o que estava previsto para a Virada lá eram atividades de baixo impacto, não de grandes atrações. É diferente de 2012, da galinhada do chef Alex Atalla por R$ 15. Eram mais intervenções de artes visuais, que não iam atrair tanta gente a mais do que normalmente vai ao Minhocão. Mas alegaram que o gradil do Minhocão tem um 1m10, quando o mínimo que um gradil tem que ter pra proteção é 1m30, que o Minhocão não tem rotas de fuga, que pra isso precisa fazer um plano de segurança aprovado pelo Corpo de Bombeiros. Tendo em vista tudo isso, como isso poderia gerar algum tipo de incerteza sobre a própria realização da Virada, se abrissem uma ação na Justiça poderia ter uma decisão… Então acabamos firmando um TAC (termo de ajuste de conduta), julgamos mais sensato transferir as atividades propostas para cima do Minhocão pro entorno, embaixo do Minhocão, Santa Cecília, Marechal Deodoro.

PAS – O Minhocão vai ficar vazio durante a Virada?

NB – Não, a única atividade que vai ter é uma projeção de grama feita de cima do prédio, que já está montada. Mas o Minhocão vai ficar aberto, como em todo final de semana fica, sem atividades oficiais da Virada. Dessa maneira não vai ter o risco de um eventual acidente que pudesse acontecer em função do evento.

PAS – A segunda representação seria a questão de irregularidades cometidas em 2012 na contratação de shows internacionais, que noticiamos no FAROFAFÁ?

NB – Não, as duas representações se referem ao Minhocão. Isso não é do Ministério Público, é do TCM (Tribunal de Contas do Município), que virou uma multa ao funcionário que… Na verdade, uma das empresas contratadas não tinha a documentação em ordem.

Ivan Longo – Falando de grandes eventos, no começo deste ano, logo após o carnaval de rua, o prefeito Fernando Haddad comentou críticas de algumas pessoas, reclamações de barulho, de acumulação de pessoas. Ele afirmou que São Paulo ainda está se acostumando e amadurecendo em relação a essa nova cultura de ocupação de espaço público. O senhor acha que São Paulo está se acostumando de fato com essa cultura de ocupação de espaço público, de festa na rua?

NB – A política da prefeitura, da gestão Fernando Haddad, busca promover a ocupação do espaço público, a utilização do transporte coletivo, a relação cultura-cidade. Isso continua com muita força. É claro que, como estamos vindo de uma tradição em que isso não acontecia, tem uma série de questões que estão hoje colocadas.Por exemplo, o impacto dos eventos sobre os moradores, os conflitos que eventualmente existem sobre a ocupação são questões que têm que ser resolvidas ao longo do tempo. Agora, de uma maneira geral, as atividades realizadas hoje pela Secretaria de Cultura buscam fazer com que os eventos aconteçam no espaço público, em equipamentos municipais ou em ruas, praças. É claro que tem que se respeitar os moradores. Por exemplo, tem toda uma programação do Funk SP, que está tentando dialogar com os organizadores das festas funk pra que transfiram as festas que acontecem em ruas estreitas, com muito impacto para os moradores, para áreas públicas maiores, com algum tipo de regulamentação. A Virada é um grande evento, mas a secretaria está promovendo muitos eventos ao longo do ano, em várias regiões da cidade. Não é como alguns anos atrás, quando se tinha um único evento, a Virada, no centro. Este ano já tivemos o aniversário da cidade com shows em quatro regiões diferentes, o mês do hip-hop com eventos na cidade toda, o carnaval de rua. No segundo semestre vamos ter o mês da música independente, o Circuito São Paulo de Cultura, o Funk SP. Nesta Virada também já uma busca de ocupar outros espaços públicos, não só no centro, numa perspectiva de maior descentralização da Virada.

PAS – Na sua concepção, que lugar a Virada ocupa na política pública de cultura do município? Que lugar o senhora acha que ela deve ocupar daqui pra frente?

NB – Ela ocupou o lugar de ter sido o evento que colocou na pauta a ocupação do espaço público e o centro da cidade. Na verdade nem foi a Virada, o primeiro momento foi o aniversário de 450 anos de São Paulo, e a Virada veio na sequência, no ano seguinte. Isso é importante pra um processo de reabilitação da imagem do centro, de auto-estima da população. Agora, que lugar ela deve ocupar daqui pra frente? Precisamos fazer com que, ao longo do ano inteiro, no centro da cidade, sobretudo nos fins de semana, a gente tenha o espaço público do centro ocupado com atividades culturais. É fazer com que a Virada não seja a exceção, mas parte de um processo contínuo. Isso poderá gerar inclusive um processo de reabilitação mais sustentável do centro. Hoje a gente vem aqui à noite, o centro está vazio, mesmo agora, numa quinta-feira à noite. Poderia ter bares, restaurantes, atividades culturais acontecendo, e temos muito poucos, apesar de a própria secretaria ter aqui o Theatro Municipal, a Galeria Olido, a Praça das Artes, o Centro Cultural do Banco do Brasil, que são ilhas. O centro todo poderia ser um espaço de entretenimento, lazer e cultura. Nossa perspectiva vai nesse sentido.

PAS – Estão sendo promovidas mudanças já nesta primeira vez que o senhor está no comando da Virada?

NB – Eu diria que tem algumas modificações, mas elas também não acontecem de maneira brusca. Mas tem algumas importantes, por exemplo a ênfase que demos pra poder ter núcleos descentralizados. Temos aqui o mapa, são 31 pontos de eventos na cidade toda, inclusive fora do centro, com uma programação muito grande, com vários pontos virando, alguns não, mas outros virando. É uma modificação importante, a Virada está tomando a cidade como um todo e isso tem a ver com uma política urbana, de redução da desigualdade. É poder dar oportunidade ao cidadão que está na zona leste não precisar vir até o centro. São 20 milhões de pessoas, fora os que vêm de fora, nós temos condição de oferecer possibilidades em todas as regiões. Outro ajuste na programação é garantir uma diversidade de formas de manifestações culturais. Temos música, mas temos também teatro, circo, dança, intervenções de artes plásticas, cinema. Também buscamos criar uma maior participação de grupos que não sejam apenas artistas renomados. Tem os renomados, que são importantes, como os 50 anos da jovem guarda ou Caetano Veloso, o palco de homenagem à Inezita Barroso, Alceu Valença. Mas, ao mesmo tempo, temos também bandas e grupos jovens, e pra isso foi muito importante a associação com o Dia da Música. E teremos aqui se apresentando um grande terreiro de cultura popular, indígena, de periferia, saraus. Teremos também 80 c0rais, com 2.000 coralistas. Não conseguimos ainda contar, mas são 1.500 atrações, incluindo gastronomia, feira de ruas. O número de artistas a gente calcula que se aproxime de 10 mil.

PAS – Se juntar os informais, que chegam e montam suas banquinhas e se apresentam…

Alessandro Azevedo – Tem os artistas de rua.

NB – Nós prevemos por volta de 300 artistas de rua. Buscamos ter essa horizontalidade. Vamos ter as rodas de choro e samba, que vão ser rodas contínuas, 24 horas, sem interrupção de um show pro outro.

PAS – Há dois anos, o então secretário (hoje ministro da Cultura) Juca Ferreira defendia que não se deveria ampliar o número de atrações na periferia, porque a ideia da Virada seria justamente trazer toda a população pra conviver junta no centro da cidade.

NB – Mas veja, a Virada já é isso. Não é pelo fato de você fazer atrações na periferia que não vai haver o encontro no centro. São Paulo é muito grande, tem muita gente, comporta ter um centro cheio e shows descentralizados também cheios. Não devemos criar essa dicotomia centro-periferia, aliás romper essa dicotomia faz parte também da política do governo Haddad.

PAS – Mas não tende um pouco a tentar manter o cidadão da periferia na periferia?

NB – Não, a ideia não é manter ele na periferia, até porque muita gente da periferia vai vir pra cá. Mas às vezes as pessoas querem ficar mais próximas de onde moram. Há essa expectativa também. Muitas vão vir, vai se encontrar todo mundo, mas temos limite. No nosso maior palco fala-se que a gente consegue por 100 mil pessoas, no Palco Júlio Prestes. Uma coisa que não fizemos ainda, mas quero fazer é que a gente pegue todos os nossos palcos, veja a área que têm e quantas pessoas comportam. Não vamos conseguir comportar toda a população da cidade. Só a nossa juventude entre 18 e 29 anos representa 27% da população. Numa reunião de 20 milhões de habitantes isso significa 5,4 milhões de habitantes jovens na região metropolitana.

PAS – Vão vir todos pra cá…

NB – Não, se vierem todos não cabe, não comporta. Não cabe 1 milhão de pessoas na avenida Paulista, é o mesmo que falar que vou colocar 500 pessoas nesta sala. É uma questão física. Não cabem todos os jovens de São Paulo no centro, o centro não é infinito. Então acho que é possível, não temos essa preocupação de o pessoal da periferia não vir pro centro. 80% da população de São Paulo mora fora do centro expandido. Vão vir. Só a zona leste de São Paulo são 7 milhões de pessoas, maior que qualquer outra cidade brasileira. Quem não quiser vir pro centro também terá atrações perto de onde mora e não vai ficar privado. De certa forma a gente democratiza o acesso.

PAS – Durante muito tempo a gente tinha a sensação de que a cultura da cidade se reunia num evento anual, 1.500 atrações em 24 horas, e no resto do ano inteiro parecia que não acontecia nada. Juca Ferreira chegou falando em mudar isso, e o senhor está dizendo a mesma coisa, que é preciso ter eventos comparáveis às viradas ao longo do ano inteiro, pra que a secretaria de Cultura não se limite a oferecer à cidade um megaevento anual e pouco mais que isso.

NB – Nisso concordo totalmente com ele e quero até aprofundar mais isso. Quero que todo fim de semana a gente tenha coisas acontecendo. Nos nossos equipamentos já temos isso, e no espaço público espontaneamente já tem também. Temos que aproveitar esse espontâneo. Por que tem tanta gente na Paulista? Porque as pessoas vão pra Paulista, então os artistas de rua vão pra Paulista. Se a gente tiver mais gente vindo ao centro, também vamos ter artistas de rua vindo. Se o centro puder ser um espaço de convergência toda semana, o que Juca falou, que é importante, de as pessoas virem pro centro se encontrar na Virada, podem se encontrar também ao longo do ano, todos os fins de semana, não num único dia. Podem se encontrar num show no Anhangabaú, no coreto da praça da República, numa roda de choro na praça do Patriarca. O carnaval de rua deste ano aconteceu em mais regiões do que acontecia antes, mas mesmo assim ainda concentrou mais na Sé e em Pinheiros, se não me engano a metade – e a outra metade em todas as outras regiões. Nossa intenção é que no ano que vem isso se disperse por todas as subprefeituras. Grande parte das pessoas que vêm pra Vila Madalena vem de regiões onde não está acontecendo nada. É bom vir pra Vila Madalena, tem um glamour, mas vamos criar outros lugares também com glamour, a cidade tem lugares muito interessantes que muita gente não conhece.

PAS – As gestões anteriores reprimiam o carnaval de rua, que tem tido uma explosão desde a gestão do Juca.

AA – Reprimiam qualquer atividade de rua.

NB – Com a regulamentação dos artistas de rua isso avançou bastante. Dá uma certa tristeza que essa rua ao lado do Theatro Municipal tem um monte de térreos ocupados por estacionamentos pra pessoas que vão pro Municipal. Ali deveria ter bares, restaurantes, pro pessoal sair do Municipal e ir jantar, tomar cerveja, se encontrar. É um monte de estacionamentos em lugares que em tese são muito nobres, o comércio de ruas movimentadas. Isso seria fortalecer o centro. Temos que buscar essa sinergia. A Virada é importante, mas ela é insuficiente pra isso. Vem uma vez muita gente, isso não mantém o comércio, o cinema de rua. Nossa política precisa ampliar a atração que o centro pode exercer na população da cidade toda.

AA – O que a Virada deixa para a cidade de São Paulo além da visibilidade dada aos artistas e do entretenimento oferecido?

NB – Quando a gente vê imagens da Virada, a gente percebe como ela gera uma imagem muito positiva pra cidade. É importante pra auto-estima da população. Mas o custo-benefício da Virada é o melhor de quase todas as atividades que nós fazemos, se formos ser muito matemáticos, embora se gaste relativamente bastante.

PAS – Quanto, em 2015?

NB – São R$ 14 milhões que estamos gastando, dos quais por volta de R$ 9 milhões são pra cachês e R$ 5 milhões são pra infraestrutura. Acho muito pra estrutura. Gostaria que a gente reduzisse a estrutura, que é meio, e ampliasse pra atividade-fim, que são os artistas. Mas, por outro lado, essa estrutura permite que a gente atenda sei lá quantas pessoas. Pra efeito de cálculo, que fosse 1 milhão, porque esses 4 milhões são chutados, isso dá R$ 14 por pessoa.

PAS – Sua proposta seria diminuir esse custo, ou mudar a equação?

NB – Se a gente pudesse reduzir o custo da estrutura seria interessante. Mas o custo frente à quantidade de benefícios ou serviços gerados é muito positiva na Virada, comparativamente com outros eventos.

PAS – O senhor estaria dizendo que o custo da estrutura pode estar inflacionado? A questão do Tribunal de Contas tem a ver com isso, supostos cachês superfaturados.

NB – Cachê não tem nada a ver com estrutura, estrutura é palco, som, gradil. Palco, som, serviços de saúde são licitados pela SPTuris. Quando eu digo que é caro não é porque é superfaturado. É porque a estrutura que tem que ser montada pra fazer um evento desse é grande. Nós não temos palcos e espaços públicos equipados para receber shows. Por exemplo, já passou da hora de termos um palco fixo no Anhangabaú e em algumas praças da cidade. Que tivessem um mínimo de condições que não exigisse ter que montar tudo, ponto com energia pra não ter que por gerador, de modo que a gente pudesse fazer eventos sem gastar tanto.

PAS – Esse é um plano seu?

NB – É uma política de governo, não poderia ser um plano da Secretaria de Cultura exclusivamente. A secretaria pode tentar agilizar, mas implica envolvimento com Secretaria de Desenvolvimento Urbano, subprefeituras, outros atores, secretaria de Meio Ambiente pra poder ter palcos em parques.

PAS – As gestões tucanas foram tirando um por um, tiraram Anhangabaú, vão livre do Masp, parque Ibiraquera, lugares que eram ocupados por shows e pararam de ser.

NB – O Ibirapuera tem o palco externo do Auditório Ibiraquera, aquele é um exemplo de palco externo. Está associado ao teatro, mas gera um palco externo, que tem sido usado. O Anhangabaú nunca teve um palco fixo. O que teve foram setores da sociedade que durante os governos tucanos tiveram muita voz e eram contra a utilização do Anhangabaú pra shows. Era uma visão meio de higienização, de evitar grandes concentrações de pessoas.

PAS – O Minhocão dá pra entender que exista uma questão de segurança, mas não é o caso do Anhangabaú.

NB – É um pouco a mesma visão, de higienização do espaço público, contrária à ideia de cultura no espaço público.

PAS – É de desocupação mesmo, de deixar o espaço público vazio.

NB – É. Mas, quanto à questão dos cachês, eles são transparentes, vão ser todos publicados no Diário Oficial. Houve uma política nossa de tentar manter certos níveis. Não são muitos os shows que têm um cachê acima de R$ 30 mil. Muitos são abaixo de R$ 10 mil. Isso às vezes talvez não apareça nos contratos, porque tem contratos de produtoras que fazem vários eventos, mas os cachês, que incluem despesa de passagem aérea, tudo dentro do cachê. De uma maneira geral, eu diria que nós tivemos uma grande preocupação de criar referências. Estamos avançando muito num sistema informatizado, de criar uma normatização entre vários centros culturais e departamentos que fazem contratos, para não ter disparidade nos cachês. Isso é uma política que estamos implementando pra ter um custo mais próximo e remunere adequadamente os artistas, de acordo com seu prestígio. Às vezes excluímos alguns porque são muito caros.

PAS – Aconteceu este ano?

NB – Não, aconteceu de a gente priorizar artistas nacionais. Veio uma jornalista aqui e falou “estão reclamando que não tem grandes atrações estrangeiras”. Na verdade isso foi uma opção frente a um orçamento que não podia crescer. Optamos neste ano por ter menos artistas de fora e mais artistas nacionais. Também é um ano de uma valorização muito grande do dólar, estamos vivendo um momento de restrição orçamentária.

PAS – Não se trata de um nacionalismo do PT?

NB – Não, de maneira alguma, muito pelo contrário. Não sei se o PT é nacionalista. Estou aqui com uma revista da Turquia, esteve aqui o cônsul da Turquia, estamos discutindo de fazer uma parceria com eles. Estamos fazendo parceria com Portugal, temos expectativa de fazer com vários consulados e os institutos culturais, é que neste ano não deu tempo de por isso pra andar. Os turcos falaram que trazem os artistas, pagam passagem, estadia e nós pagamos o cachê. Pra este ano não deu tempo, mas isso é pra nossa política daqui pra frente. Fiz uma reunião com 40 cônsules de diferentes país pra apresentar a política de cultura do município e dizer que temos interesse em contar com a colaboração, com parcerias, não só pra Virada. Também podemos promover a possibilidade de artistas nossos irem pra fora, o que também faz parte da vida cultural da cidade. Ano passado foram vários artistas, inclusive da periferia, para a Feira do Livro de Buenos Aires. Isso também é importante pra cidade, pros artistas da cidade, pro fortalecimento da economia da cultura.

PAS – Quando se fala que tem mais ou menos artistas estrangeiros geralmente se está pensando em nomes do circuito comercial dos Estados Unidos.

NB – Nossa ideia é a diversidade. Assim como pensamos em cultura indígena e popular, orquestra sinfônica, choro, música popular brasileira, jovem guarda, coral, de gêneros musicais, também precisamos ter uma diversidade de países, às vezes pouco conhecidos. Pouca gente deve conhecer o rock turco, que parece muito bom.

AA – O hip-hop também.

NB – E vice-versa. São esses países que gente conhece menos que estão mais interessados em trazer. A França está muito interessada, o Dia da Música é o Dia da Música em Paris também. Poder ter um intercâmbio, não conseguimos viabilizar, mas pensamos em fazer palcos cruzados, um telão com apresentação de Paris aqui e em Paris com apresentação de São Paulo.

IL – Esta gestão da prefeitura está fazendo um trabalho muito forte em reação aos imigrantes em São Paulo, principalmente latino-americanos. Teve a regularização da rua Coimbra, com a feira boliviana. Há algum diálogo da pasta da Cultura com a coordenadoria de Política para Imigrantes nesse sentido?

NB – Estamos discutindo, sim, tem um potencial muito grande. Vamos ter provavelmente um edital voltado pra migrantes, não só migrantes, mas principalmente refugiados. Temos uma quantidade enorme de refugiados, por exemplo sírios, nigerianos. O edital seria de políticas de cultura voltadas pra refugiados. Não vamos ter muito recurso pra isso, mas pra começar uma atividade desse tipo. Por uma série de contingências algumas ações acabaram não fechando, mas na própria Virada tinha uma proposta de fazer uma atividade com os coreanos perto da estação Tiradentes, tinha um palco latino.

PAS – Pode haver muitos artistas estrangeiros por aí que não precisaria de passaporte, viagem, hospedagem.

NB – É, é uma preocupação importante. E também temos um outro lado, de recuperar, por exemplo, a cultura caipira, com o palco da Inezita Barroso.

PAS – Finalmente, Nabil. São Paulo é onde essa cultura nasceu, mas ficou refratária a ela, é raro ver contemplada numa Virada.

NB – É raro, mas está acontecendo. Vamos dar apoio às festas juninas no largo da Batata e em Ermelino Matarazzo, durante a Virada. São festas tradicionais do estado de São Paulo. Como é junho e tem muita festa junina no Nordeste, as atrações de caráter mais nordestino estão lá, era mais difícil trazer. Mas a ideia de fazer um arraial mais de música caipira também foi uma proposta nossa, uma festa junina paulista.

AA – A Virada tem inscrições, uma comissão que faz o julgamento de grupos interessados em participar da Virada. As tidas grandes atrações também passam por esse processo de inscrição e julgamento?

NB – Algumas se inscreveram, mas não necessariamente todas. A curadoria tem autonomia pra eventualmente chamar alguns artistas que não estão inscritos. Não é um edital que quem se inscreveu está dentro e quem não se inscreveu está fora.

AA – É misto então.

NB – É misto.

AA – A curadoria também não existia antes.

NB – Existe desde 2013, desde o início da gestão Haddad. A inscrição é importante, foram 7.100 inscritos neste ano. Nos associamos com eventos que também têm inscrição, como o Dia da Música. Tivemos um processo de seleção nos CEUs, que foi muito interessante. Os núcleos de cultura de todos os CEUs e o núcleo de cidadania cultural da secretaria, por região, fizeram indicações de artistas da região. Também tem uma preocupação, em geral, de não repetir nomes dos anos anteriores. Daniela Mercury esteve em 2013, não era pra entrar, acabou entrando por conta do problema de contrato com a Margareth Menezes.

PAS – Esperando sua chegada ficamos ouvindo os bochichos de problemas, com Margareth, Fábio Jr., que pareciam ser questões de contrato. Os contratos estão mais rigorosos este ano?

NB – Não sei se estão mais rigorosos, mas o rigor de contratação do serviço público tem aumentado.

PAS – Esse é um princípio seu?

NB – Não, não, é um princípio da administração de maneira geral, que estamos seguindo. A questão da Margareth é que queriam receber metade do cachê antes, e a Prefeitura só paga depois. Isso foi acordado inicialmente, de repente falaram que queriam receber antes. Dissemos que não, ela disse que não ia participar, foi uma maneira de pressionar. Nessa emergência a Daniela entrou. As produtoras, por exemplo, precisam ter certidões, como em qualquer contrato com o poder público. Às vezes os produtores não têm.

PAS – O meio artístico às vezes avacalha isso? São comuns os contratos, digamos, pouco rigorosos?

NB – Hoje é muito difícil fazer, porque o próprio sistema trava. É claro que o controle de gestão pública e recurso público é cada vez maior. Tem uma questão de controle interno também, são 1.500 atrações, é muito contrato. Precisa ter um controle pra não estourar o orçamento.

IL – No ano passado, as últimas atrações da Virada foram canceladas por conta da chuva que caiu. Foi tomado algum tipo de precaução este ano?

NB – Que tipo de precaução se poderia tomar? Fazer um contrato com São Pedro? (Risos.)

IL – Alguma maneira de evitar que um show seja cancelado por isso.

NB – Num evento desse tamanho, o risco de haver algumas mudanças existe. Pode chover, claro. Se amanhece um dia de chuva torrencial, pra um evento de rua, é um desastre. Mas não vai acontecer, a previsão é de sol no domingo, noite fria no sábado. A minha previsão é essa, vamos torcer para que seja isso.

PAS – Sobre a Virada na periferia, temos tido contato com jornalistas que são da periferia e trabalham lá. Uma queixa que eles têm é que na periferia a Virada para às 22h do sábado e só volta na manhã do domingo. Se é assim, a Virada não é uma Virada nos locais não centrais. Por que isso?

NB – É assim em alguns lugares, não em todos. (Olha o mapa, encontra a programação do CEU Heliópolis.) Aqui para. O funk acaba, é um acordo com a Polícia Militar.

PAS – Há dois anos houve um palco de funk no centro. Este ano o funk não vem?

NB – Tem funk no centro, sim. Essa é uma discussão que foi feita com a Secretaria de Educação. Os CEUs são da Secretaria de Educação, e eles colocaram restrições à Virada. Achavam que não ia dar certo, que o pessoal não ia ficar. Eu acho que é uma primeira experiência, vamos ver pro ano que vem se o horário pode ser ampliado.

PAS – Não é dizer que é intencional, mas isso caracteriza uma diferença de tratamento entre centro e periferia, uma coisa que, como o senhor mesmo disse, é contrária à política da gestão Haddad.

NB – É, temos que testar pra ver como funciona na periferia. Temos um grande problema aqui no centro, que é a madrugada. Se pudesse parar era bom.

PAS – Aí ia ter que mudar o nome do evento.

NB – É. Teria que mudar o nome do evento. Tem um outro problema: se tem uma grande quantidade de pessoas, parar é contraproducente.

PAS – Por falar nisso,o senhor está preparado para na segunda-feira a mídia tradicional só falar dos casos policiais e de tudo que der errado?

NB – Estou preparado, mas estou me preparando para evitar que isso aconteça. A área da Virada no centro foi um pouco reduzida, em termos de perímetro, porque se verificou que a grande parte das ocorrências eram no deslocamento entre um palco e outro. Tiramos a baixada do Parque Dom Pedro II, concentramos mais. Ocupar o espaço entre os palcos com intervenções, feiras de rua, artesanato, comida de rua, artistas de rua, garante que haja uma conexão entre os palcos e dá mais segurança. Estamos trabalhando com a Secretaria de Serviços pra aumentar a iluminação, ter rotas entre palcos, melhorar as condições de segurança. Espero que na segunda-feira a gente não tenha só que responder esses casos. Mesmo porque não temos como responder, acontece.

PAS – Fica o secretário de Cultura falando de polícia na entrevista coletiva.

NB – Mas estamos trabalhando pra que a Polícia Militar atue bem no processo.

PAS – Isso foi visível no ano da chegada do Haddad ao governo, um conflito entre a PM, de governo estadual tucano, e a organização da Virada, de governo municipal petista. Eu, como cidadão, testemunhei a polícia cruzando os braços diante de arrastões. Como está hoje essa relação?

NB – Ela está bem. Acabei de fazer um acordo com eles, sobre o Minhocão. Estamos atendendo algumas questões que eles levantam. A redução do perímetro é outra questão, só que eles queriam reduzir para o Anhangabaú.

PAS – Pra depois dizerem que o PT acabou com a Virada?

NB – Então.  Aí também não dá, né? É uma conversa que não é fácil, mas está acontecendo. Nós estamos atendendo algumas coisas, eles estão atendendo outras. Falaram que vão colocar um contingente maior que o do ano passado. A Guarda Civil Metropolitana também. Tem também a questão do vinho químico, que é um dos problemas principais da Virada. Das ocorrências de saúde, a maior parte é de alcoolismo, e não é por causa de cerveja.

PAS – Tem alguma providência prática este ano sobre isso?

NB – Tem a fiscalização, é proibido. É proibido qualquer garrafa de vidro, e vinho químico em especial. Tem as apreensões, você apreende com o ambulante.

PAS – A quem cabe essa tarefa?

NB – À subprefeitura da Sé. Mas também a gente precisa esperar o bom senso dos que vierem à Virada. O cara ficar se esborrachando e acabar num pronto-socorro, que graça tem? Não curte a Virada, vai ter problema de saúde. As pessoas têm que saber que uma das maneiras de se preservar é… As pessoas estão bêbadas, perdem o celular, o celular é roubado, perdem dinheiro.

PAS – Tem aquele ditado de que quem nunca come melado quando come se lambuza. Uma população desacostumada à cultura fica eufórica, não sabe exatamente como se comportar num dia com tantas atrações.

NB – Briga, gera conflitos, sai machucado. É óbvio que as pessoas vão beber num evento desse tipo, mas tem que beber pra chegar até o outro dia bem, íntegro, curtir a coisa. Quando passa dos limites, deixa de ser legal. Quanto aos furtos que acontecem, a pessoa tem que saber onde andar, ter noção de que se entrar numa rua que não tem ninguém o risco é muito maior do que se for onde todo mundo está indo. No mapa os caminhos prioritários estão marcados, seriam os mais indicados pra ir de um palco pra outro com mais segurança, mais gente fazendo as mesmas travessias.

AA – Essa é a contribuição do urbanista pra cultura?

NB – Se fosse só essa… (risos). Urbanismo e arquitetura são cultura. Pouca gente associa, até porque a arquitetura é tão pobrezinha, coitada, que não tem nem um espaço na secretaria. Mas também é cultura, faz parte da produção cultural da cidade. Mas, independentemente disso, acho sim que ainda está pouco de pensar o espaço público de maneira bem planejada, planejar o evento. Nós temos que planejar muitro mais, ter um resultado positivo e superar esses problemas. Esses lugares de trânsito já podiam ter sido feitos há mais tempo, os espaços poderiam estar mais iluminados, as pessoas já saberem por onde devem circular. A secretaria poderia ter se preparado com um pouco mais de tempo, só que é um evento atrás do outro e é uma equipe muito pequena. Talvez no ano que vem a gente consiga fazer a questão dos palcos que eu estava falando, pensar espaços da cidade onde se possam fazer palcos permanentes. A contribuição de um urbanista pra cultura seria fazer um plano pro centro pra que ele pudesse ser usado pra atividades culturais.

AA – O senhor citou a questão do déficit de funcionários pra atender a demanda da secretaria. Existe perspectiva de mudança pra isso?

NB – Pergunta pro prefeito (risos), nós estamos pedindo. O que existe de perspectiva é fazer o projeto de reestruturação da secretaria, mandar pra Câmara e aprovar até o fim do ano. Aí a gente prevê, estamos tentando convencer a Secretaria de Gestão a criar algumas carreiras novas, de gestor cultural, de agente cultural, fazer concurso.

PAS – É notório que os servidores aqui ganham muito mal.

AA – A Conferência de Cultura definiu isso como prioridade.

NB – Como a primeira prioridade, quando vi isso vi que tem que fazer.

PAS – E se fizer os críticos vão dizer que estão aumentando salários, que todo mundo aqui é marajá.

NB – É um absurdo. Tem ideia de quanto ganha o coordenador-geral do Sesc Pinheiros? Deve ganhar uns R$ 12 mil. O nosso coordenador do Centro Cultural São Paulo, que é maior que o Sesc Pinheiros, ganha R$ 4.500. O coordenador de um teatro como, sei lá, o Paulo Eiró ou o Artur de Azevedo, ganha R$ 2.600. Quanto ganha um servidor de teatro de tamanho equivalente que é privado? Os salários nossos são ridículos.

PAS – E isso acontece com a cultura e com a polícia, e acaba sendo um indutor de corrupção, porque as pessoas ganham muito mal e…

NB – Na cultura não tem isso, vai e ganha mal porque é apaixonado. Ninguém entra no Centro Cultural pra ser diretor, principalmente se vem de fora, se não for o cara que gosta, que acha legal dirigir um teatro ou uma casa de cultura. É mais por paixão.

PAS – Essa prioridade vai ser atacada pelo senhor?

NB – Vai, a estruturação de cargo, de carreira. Pra você ter ideia, o nosso núcleo de eventos não existe como departamento, é um puxadinho do gabinete, é como se fosse uma assessoria do gabinete. O núcleo de fomento e cidadania cultural, onde estão lei de fomento ao teatro, à dança, VAI, pontos de cultura, não é sequer departamento, é uma assessoria do gabinete. Nós não temos o mínimo de estrutura pra dimensão que a cultura tomou na cidade. Depois de fazer a reformulação, é preciso criar carrreiras, fazer concurso. Conseguimos fazer concurso agora pra bibliotecário, hoje temos bibliotecas sem bibliotecário. A importância que a cultura assumiu não é compatível com o orçamento dela nem com a estrutura de cargos e número de funcionários, não vou nem falar de salários.

PAS – Dá pra chamar isso de sucateamento, na cidade mais rica do Brasil?

NB – Não diria que é sucateado, porque teve um esforço grande da administração passada, e isso a gente tem que tirar o chapéu pro Carlos Augusto Calil (secretário de Cultura nas prefeituras de José Serra Gilberto Kassab), que foi reformar os equipamentos. O Theatro Municipal e três teatros foram reformados, muitas bibliotecas foram reformadas, foi criada a Praça das Artes. As Casas de Cultura, que estavam fora da secretaria, estão sucateadas. Ficaram dez anos com as subprefeituras.

IL – No início do ano o senhor afirmou que havia o plano de reassumir as Casas de Cultura.

NB – Nós reassumimos, mas estamos tirando da sucata, num ano muito difícil. Conseguimos botar segurança, limpeza, estamos nomeando os novos coordenadores, pessoas ligadas à cultura. Tinha muita gente que não estava ligada à cultura ou nem tinha coordenador. Isso é um avanço importante. Mas reformar essas Casas de Cultura exigem recursos que nós não temos este ano. Este ano temos um contingenciamento praticamente igual ao do ano passado, sendo que aumentaram 18 Casas de Cultura na secretaria.

PAS – Sem merecer o trabalho do Calil, mas se reformou o equipamento, mas as pessoas que trabalham dentro estão sucateadas, não?

NB – Mas isso não é um problema da cultura, é um problema da prefeitura inteira. A prefeitura inteira hoje está sem funcionários, muitos se aposentaram e não se fizeram concursos. Isso tem a ver com uma política de estado mínimo.

PAS – De privatização?

NB – Aqui na cultura nós não fizemos o que o estado paulista fez. O estado praticamente terceirizou toda a área de cultura pra OSs (Organizações Sociais). O município não fez isso. Não concordo com a maneira como o estado faz.A única OS que nós temos é o Theatro Municipal, mas não é exatamente como o estado. O teatro tem um diretor administrativo, uma diretoria que faz a gestão, e a OS é quase uma prestadora de serviço, que dá mais agilidade. Se estoura uma corda do violoncelo, se for fazer licitação, vai demorar muito e você não vai comprar a melhor corda. Então a OS tem maior facilidade pra contratar os corpos estáveis. No Municipal, os corpos estáveis eram estáveis só no nome, eram recontratados todo ano, em situação precária. Pra prefeitura fazer teria que fazer concurso, então o contrato via OS viabiliza. Mas é um sistema híbrido. O estado, não, quem assume a direção do equipamento é a OS. Eu acho o modelo do Municipal mais adequado pra que a gente possa ter mais controle sobre o que vai acontecer, ter mais agilidade e flexibilidade pra contratar gente. Mas o custo eleva muito. A prefeitura, apesar de todas as dificuldades, o sucateamento, ainda fica menos suscetível a, por exemplo, variações de recursos. Aconteceu com o estado agora, diminuiu os recursos, demitiu um monte de gente. Nós mantivemos nosso quadro, estamos mantendo a política. No estado foi um corte radical.

PAS – Poderia imaginar que se fizer licitação, por exemplo, na Virada, vai se contratar o palco mais barato e pode ser que ele caia?

NB – Cair ele não vai, porque tem especificação técnica. Mas, por exemplo, a qualidade do som é uma reclamação do pessoal aqui da produção. Você faz contratação pelo menor preço, e às vezes não vem aquele som que é o melhor pra aquela situação, pra distribuição das caixas de som ao longo de todo o evento.

AA – Ouvi o senhor falar sobre quão estratégica é a pasta da Cultura e sua transversalidade com outras áreas. Podia falar um pouco sobre isso?

NB – Hoje, cada vez mais, a cultura está dialogando com todas as áreas. Vem o secretário de Saúde aqui e fala: “A gente quer eventos culturais nos hospitais, nos pronto-socorros, porque isso ajuda na recuperação dos pacientes”. Vem a Secretaria de Direitos Humanos, a gente tem interface importante na questão dos imigrantes, no programa Redes e Ruas. A articulação com a Secretaria de Educação é absolutamente fundamental. Se a gente quiser avançar pra educação em tempo integral, não dá  pra achar que o aluno vai ficar oito horas por dia na sala de aula. Em meio período ele pode estar numa biblioteca, num museu, numa aula de música. A gente tem uma parceria excelente com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, no projeto Funk SP. Na questão de mobilidade, estamos discutindo com cicloativistas a necessidade de fazer uma casa de bicicultura, a bicicleta pensada como cultura.

PAS-  Nunca ouvi essa palavra, bicicultura?

NB – É, existe. Também existe a cultura do automóvel, só que o automóvel é um trambolho pra cidade hoje. Na Secretaria de Transporte, os ônibus podem ser espaço de eventos culturais, os terminais de ônibus também. Na habitação, a reivindicação de uma área de cultura dentro do conjunto habitacional é muito forte. A separação de esporte e cultura não precisava existir. Chama Secretaria de Esporte, Lazer e Recreação, e acho que a Secretaria de Cultura promove mais lazer e recreação que a de Esporte. Se a gente entender lazer como uso do tempo livre, a cultura tem um papel fundamental. Comunicações e cultura nem têm mais divisão, você está aqui (Nabil se refere a Alexandre, que atua como artista de rua com o personagem Palhaço Charlie). Toda a cultura digital é comunicação também. Em suma, é uma transversalidade muito grande. A cultura pode ter um papel importantíssimo na mudança dos comportamentos, modos de vida. A bicicultura é uma mudança de comportamento.

PAS – Essa mudança a gente está vendo acontecer rapidamente diante dos olhos.

AA – A coleta de lixo tem sido cada vez mais eficiente após atividades como o carnaval ou a Virada. Existe alguma perspectiva de a Secretaria de Cultura ter campanha de conscientização em relação ao lixo, pelo menos nesses dias?

NB – A gente está fazendo. A nossa indicação para a Secretaria de Comunicação não era divulgar a Virada, porque a gente acha que a Virada se divulga por si só.

PAS – Eu sinto isso, muitos amigos não sabem que a Virada é neste fim de semana. Existe essa crença de que ela se autodivulga?

NB – Não sabem? Ela teve mídia, dei entrevista em não sei quantos rádios, jornais. A ideia da comunicação foi de trabalhar com uma mensagem cidadã, vem pra Virada, mas use o ônibus 24 horas, jogue o lixo no lugar certo, respeite o outro.

PAS – O senhor citou a habitação, e é visível que existe uma população crescente de ocupações no centro da cidade, da Frente de Luta por Moradia (FLM), do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). Como incorporar essas pessoas na Virada?

NB – Acho que essas pessoas vão pra Virada, elas estão no centro.

PAS – São bem-vindas?

NB – Ah, claro, claro.

PAS – Têm acontecido reintegrações de posse todo dia, a gente sofre vendo as imagens de famílias e famílias sendo retiradas.

NB – É, mas aí já é outra coisa. Mas é claro que são bem-vindos, todo cidadão é bem-vindo. Nem tem como não vir, na verdade o pessoal das ocupações aqui no centro está na Virada. Só se ficarem presos dentro de casa.Estou preparado, mas estou me preparando para evitar que isso aconteça.

PAS – A Virada é na casa deles.

NB – Aqui nesse entorno está cheio de ocupação. Tem jovem guarda no Anhangabaú, dança na Praça das Artes, circo no largo do Paissandu. É impossível eles não participarem.

PAS – Podiam participar de fato, ser integrados na programação… Algumas ocupações são obras de arte…

IL – Está acontecendo, inclusive, um movimento de ocupações culturais, de moradias atreladas à cultura, a do Ouvidor…

NB – A do Ouvidor parece que foi tomada pelo tráfico, viu? Ouvi falar.

IL – O senhor deve estar acompanhando que em São Paulo, todo final de semana, espontaneamente, há festas gratuitas no centro ocupando o espaço público, algumas delas autorizadas pela prefeitura, outras não. Mesmo as que não são, nunca houve nenhum tipo de repressão ou cerco. Elas estão aí, acontecem de forma autônoma, os coletivos se apropriam. Teve recentemente o SP na Rua, pra valorizar essas iniciativas. E esses coletivos em relação à Virada Cultural, há diálogo com eles?

NB- Há, há alguns coletivos previstos, na região da Luz. Isso é importante. É exatamente com base nisso que podemos impulsionar muito a ocupação cultural do centro, com ocupações permanentes.

PAS – No Minhocão está acontecendo isso espontaneamente, todo final de semana tem uma multidão lá.

IL – Eu mesmo vejo o que vai ter de graça em São Paulo, e todo final de semana tem.

NB – São Paulo está virando uma cidade com um potencial cultural fantástico.

AA – Qual é o orçamento da cultura em 2015, e quanto isso significa em termos percentuais? Até o final de 2016 a gente chega no piso de 2%?

NB – Essa última você pergunta pro prefeito (risos).

PAS – Ajuda a gente a pressionar o prefeito, secretário.

NB – O orçamento aprovado deste ano é R$ 550 milhões, e temos liberados por volta de R$ 410 milhões. Estamos com um contingenciamento de R$ 140 milhões, que o secretário de Finanças diz que não existem, são uma ficção. Isso deve representar 1,4%, no máximo 1,5% do orçamento. Estou brigando pra que chegue nos 5… nos 2% no ano que vem.

PAS – O senhor quase falou 5%…

NB – Não, 2% seria já muito bom. O nosso orçamento aprovado já seria próximo dos 2%. Toda vez que a gente vê o Haddad a gente fala. Mas muitas vezes você não consegue cortar outras coisas, a educação hoje é 32%.

PAS – Considerados esses números, nós somos um país que ainda valoriza muito pouco a cultura, não?

NB – Outro dia o secretário de Finanças disse: “Vocês são uma das secretarias que têm maior orçamento”. Como assim? Ele falou que era a quinta ou sexta. Fomos listando, ela está lá em décimo lugar, mais ou menos. É educação, saúde, transporte, assistência social, serviços. As outras são um monte de secretarias com um pinguinho de orçamento, menor que o nosso. A nossa não é das piores. Mas ela tem uma abrangência absurda, que vai da Virada Cultural até o Arquivo Histórico, passando pelo Museu do Patrimônio, pelo Fomento, por Cidadania Cultural, Bibliotecas, Centros Culturais, teatros. É uma coisa de uma dimensão fora de propósito.

Pedro Alexandre Sanches em seu Farofáfá.

 

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