Como Lina Bo Bardi se tornou brasileira

Exposição na Casa de Vidro revela o diálogo entre a arquiteta italiana e a cultura brasileira.

A casa onde a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992) morou entre 1952 e sua morte está de portas abertas. A Casa de Vidro abriga a exposição “Lina em casa: percursos” até 19 de julho. “Lina em casa” é a última de uma série de exposições que entraram em cartaz no Brasil e em vários outros lugares do mundo como parte das comemorações do centenário da arquiteta, celebrado em dezembro de 2014. Segundo o curador Renato Anelli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), Lina em casa é uma exposição complementar, que almeja apresentar a trajetória intelectual de Lina e mostrar como o Brasil transformou a italiana em uma arquiteta brasileira.

A Casa de Vidro, localizada no meio de um bosque no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, foi construída em 1951. A casa combina os traços geométricos da arquitetura moderna com aposentos simples, que lembram uma pensão italiana ou uma casa do interior de Minas Gerais. Quem visita a exposição, pode passear pelos cômodos da casa, observar a mobília original – que conta com peças projetadas pela própria Lina – e também cartas, livros, fotografias, registros de viagens, documentos e painéis que revelam a relação dela com seu país adotivo. “Procuramos identificar, no acervo do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, aspectos da formação intelectual, do posicionamento político e da visão de país que ela adquiriu no Brasil e como a sua arquitetura acompanha essa transformação”, afirma Anelli.

Lina chegou ao Brasil, em 1947, acompanhando o marido, o crítico e mercador de arte Pietro Maria Bardi (1900-1999). Bardi veio ao Brasil à procura de novos mercados. A Europa arrasada pela 2ª Guerra Mundial não era o melhor lugar para se vender quadros. Bardi viu na América do Sul, que se industrializava e onde viviam muitos imigrantes italianos enriquecidos, uma oportunidade para os negócios. Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, convidou o italiano para dirigir o Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Lina trabalhou ao lado do marido e projetou a nova sede do museu, a caixa de vidro e concreto apoiada em colchetes vermelhos que parece flutuar ao longo da avenida Paulista.

Em 1959, Lina foi convidada para restaurar e dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), instalado no Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVII. Cartas trocadas entre a arquiteta e Lavínia Magalhães, primeira-dama da Bahia, estão expostas na Casa de Vidro. Lina acreditava que os museus não deveriam ser templos dedicados à memória dos tempos passados, mas locais vivos e dinâmicos. “Lina e Bardi acreditavam no papel didático dos museus na formação cultural do público”, afirma Anelli. “É neste novo sentido que se constitui o Museu de Arte de São Paulo, que se dirige especialmente à massa não informada, nem intelectual, nem preparada”, disse Lina.

No Nordeste, a arquiteta mergulhou na cultura popular brasileira. Ao lado de outros intelectuais, Lina realizou pesquisas etnográficas no sertão. Lá, ela conheceu o que chamou de “civilização da sobrevivência” e observou como os sertanejos, que viviam na extrema pobreza, eram capazes de criar soluções inventivas e transformar materiais que iriam para o lixo em objetos de uso cotidiano. Na exposição, há registros fotográficos do que Lina encontrou no sertão, como lamparinas feitas a partir de lâmpadas queimadas e carrinhos de bebê feitos com latas usadas. Na entrada da Casa de Vidro, está a reprodução de uma cadeira construída com quatro pedaços de pau, réplica da original que arquiteta viu na beira de uma estrada nordestina. “Lina via nessa inteligência da cultura popular, nessa capacidade de reaproveitar as coisas, uma base para a renovação da cultura moderna”, afirma Anelli.

“Não foi uma influência direta. O que ocorreu foi um diálogo maravilhoso entre uma arquiteta que já tinha sensibilidade aguçada e encontrou uma realidade cultural que respondia a isso”, diz Zeuler Lima, arquiteto, professor da Universidade Washington e autor da biografia, ainda inédita no Brasil. Lima afirma que o que encantou a arquiteta italiana não foram as obras monumentais de Oscar Niemeyer e outros arquitetos acostumados a trabalhar para os governos, mas a arquitetura espontânea, a arte popular e os objetos do cotidiano. “A arquitetura brasileira era monumental, do tipo “grande nação”, representava o Brasil pujante, o país do futuro. Lina suspeitava desse discurso, que ela conhecera no fascismo italiano. Ela se interessava por manifestações culturais que vinham de baixo para cima. Foi isso que ela encontrou no Nordeste e se apaixonou”, afirma.

Até 19 de julho, está em cartaz, no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, a exposição “América Latina em construção: Arquitetura (1955-1980)”, dedicada à arquitetura moderna produzida no continente. Lina é uma das homenageadas. Nos últimos meses, o trabalho da arquiteta ítalo-brasileira, que deixou apenas 14 obras construídas, foi reconhecido em exposições no Brasil, na Alemanha e na Itália. Um reconhecimento bem maior do que Lina desfrutou em vida. “Obras mais delicadas e de caráter social como a Lina Bo Bardi, ganharam espaço depois da crise econômica de 2008. Esse resgate da memória dela traz esperança para uma arquitetura mais humanista, mais ética e mais respeitosa com a vida que vai dentro do edifício”, afirma Lima.

Ruan de Souza Gabriel com edição de Guilherme Evelin na Revista Época.

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