Exposição digital conta a história de Dona Yayá

Seção Cotidiano da exposição – Montagem de Rebeca Fonseca/Jornal da USP com imagens do Centro de Preservação Cultural Casa de Dona Yayá (CPC) da USP e Freepik (graphictwister).

Por Juliana Alves

Sebastiana de Melo Freire (1887-1961). Foto: Cinusp.

Sebastiana de Mello Freire, ou Dona Yayá, é uma das figuras mais emblemáticas da cidade de São Paulo. Nascida em 21 de janeiro de 1887, ela era considerada à frente do seu tempo: não casou e não teve filhos. Ela também foi diagnosticada com doenças psicológicas, mas muitas pessoas duvidam disso e acham que ela foi vítima de interesseiros de sua herança. Ainda dizem que a casa onde a herdeira ficou reclusa por 40 anos, localizada no bairro da Bela Vista – ou Bixiga, como é popularmente conhecido -, é assombrada. Para apresentar essas e outras curiosidades ao público, o Centro de Preservação Cultural Casa de Dona Yayá (CPC) da USP apresenta a exposição digital Yayá – Cotidiano, Feminismo, Doença, Riqueza. A exibição procura relacionar a história de Yayá com o papel das mulheres na sociedade, o entendimento sobre os pacientes psiquiátricos no Brasil e a forma como a cidade cresceu e se desenvolveu. A exposição está disponível gratuitamente neste link.

Diante de muitas versões sobre Dona Yayá e sua casa, contadas de “boca a boca” ou descritas em sites, jornais e até livros didáticos, pesquisadoras do CPC e uma equipe de bolsistas realizaram pesquisa sobre a “Yayá nas mídias”, revelando essas versões, que são, muitas vezes, cercadas por desinformações, conforme Martha Marandino, curadora da exposição. Ela conta que a mostra tem como finalidade elucidar e aprofundar informações sobre a história instigante dessa figura da elite paulistana.

A exposição traz fotos, trechos de jornais, arquivos de pesquisas e ilustrações, como a árvore genealógica da família de Yayá. Esse conteúdo está dividido em quatro partes: Cotidiano – Quem Foi Yayá, Sua Família e Seu Cotidiano; Feminismo – Yayá e a Mulher do Século 20; Doença e Tratamento de Yayá; e Doença e Tratamento de Yayá e Riqueza – O Patrimônio de Yayá.

A exposição virtual Yayá – Cotidiano, Feminismo, Doença, Riqueza. Foto: Reprodução/CPC-USP.

A primeira seção conta a história de Yayá, que com 13 anos tornou-se a única herdeira de uma grande fortuna. Após perder os pais e o único irmão, que cometeu suicídio, Yayá vivia com sua madrinha, afilhados e amigas em um palacete na Rua Sete de Abril, no bairro da República, em São Paulo. Em 1919, com pouco mais de 30 anos, a herdeira apresentou recorrentes sinais de desequilíbrio emocional que levaram à sua internação em uma instituição hospitalar. Os laudos médicos atestavam sua condição de paciente psiquiátrica e a necessidade de cuidados especiais para tratamento. Ela foi considerada incapaz de administrar sua própria vida e seus bens, recebendo interdição judicial. Essa história, amplamente questionada pelo jornal sensacionalista O Parafuso, comoveu a sociedade paulistana. Um ano depois, por recomendações médicas, Yayá passaria a receber tratamento em casa, em melhores condições, em um ambiente de tranquilidade e segurança. Foi escolhida para sua residência uma chácara localizada então na periferia da cidade, na Rua Major Diogo, 353, na Bela Vista – hoje sede do CPC da USP -, onde Yayá viveu reclusa por 40 anos, com suas cuidadoras e empregados. Além disso, essa seção mostra outras curiosidades da trajetória de Yayá, como seus afetos, tradições religiosas e passatempos, entre eles a fotografia.

Na seção Feminismo – Yayá e a Mulher do Século 20, é exposto como a mulher era vista pela sociedade naquela época e sua “vocação” — cuidar da casa, do marido e dos filhos. Diferente do que se esperava de uma imagem feminina, passiva, dócil e submissa ao homem, Yayá viajava com as amigas e preferiu não casar e não ter filhos. Segundo os arquivos, ela recusou pedidos de casamento por acreditar que os pretendentes estavam interessados mais na sua fortuna do que nela mesma. Embora tenha escolhido não ter filhos, Yayá criou as afilhadas Rosa Massullo e Eliza de Mello Freire. No final dessa seção, há ainda homenagens às figuras históricas que lutaram pelos direitos das mulheres, como as ativistas e historiadoras Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento.

Na seção Feminismo, a exposição faz homenagens a figuras históricas que lutaram pelos direitos das mulheres. Foto: Reprodução/CPC-USP.

Já na terceira parte da exposição, Doença e Tratamento de Yayá, há materiais demonstrando o que ocorria com a saúde de Yayá: crises nervosas, depressão, confusões mentais e alucinações. É mostrada a repercussão da imprensa diante da sua situação psicológica, diagnósticos de médicos que a acompanharam e decisões judiciais que denotam a incapacidade de Yayá de responder pelos seus atos e administrar seus bens. Para a curadora Martha Marandino, o diagnóstico e o tratamento dado a Yayá testemunham a história da psiquiatria brasileira. Nessa seção, é possível compreender como a estrutura da residência do Bixiga está associada às necessidades da paciente. As adaptações feitas nos aposentos que ela ocupou seguiram as orientações do non-restraint – a vigilância sem ser percebida – e a implantação de um solário no quintal da casa corresponde ao início da saída do isolamento. “São elementos relevantes para se conhecer como alguns pacientes, pertencentes a determinados grupos sociais, eram tratados na época”, comenta Martha.

No dia 4 de setembro de 1961, Yayá não resistiu a uma cirurgia de histerectomia e morreu. Como não havia herdeiros legais, seus bens foram destinados para a Universidade de São Paulo. A casa onde morou passou por um trabalho de recuperação e restauro. Com base nessa rica história material e imaterial, o imóvel foi tombado pelo Estado de São Paulo, em 1998, e pelo município, em 2002. Desde 2004 é sede do CPC, que oferece ao público uma série de atividades no âmbito da cultura e extensão universitária que estreitam as relações da Universidade com o bairro do Bixiga e com a sociedade em geral.

Seção Doença e Tratamento de Yayá. Foto: Reprodução/CPC-USP.

Essa ligação entre a casa e a cidade de São Paulo é explorada na última parte da exposição, onde o público pode ver mapas e documentos. É possível também conhecer a geografia da herança imobiliária, os bens da família Mello Freire e a ampliação do patrimônio imobiliário.

A exposição traz fatos novos, ora reforçando o que já havia sido publicado, ora revelando outras maneiras de entender Dona Yayá. Além do conteúdo digital, uma exposição presencial será montada na Casa de Dona Yayá neste ano, com visitação gratuita.

A exibição virtual Yayá – Cotidiano, Feminismo, Doença, Riqueza, promovida pelo Centro de Preservação Cultural Casa de Dona Yayá (CPC) da USP, está disponível gratuitamente neste link.

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Via Jornal da USP.

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