Na imprensa australiana elogios ao programa ‘Transcidadania’ da SDHC

Aline, de 37 anos de idade é atraente, tem pele bronzeada, sobrancelhas arqueadas e é dona de uma invejável cabeleira preta de grossos fios. Quando eu a conheci em uma escola de educação de adultos em São Paulo, ela acabara de sair de uma classe de direitos humanos.

Aline é um participante do Transcidadania, um novo programa que fornece um sistema de apoio – incluindo dinheiro, habitação e educação – para transgêneros e “travestis” (vagamente, uma pessoa transexual que usa pronomes femininos) moradores de São Paulo.

A vida não foi exatamente fácil para Aline. Em 20 dos seus 37 anos, ela foi uma prostituta. Tudo o que ela queria era um emprego regular, das 9 às 5 horas para tirá-la das ruas. Mas encontrar um trabalho estável se provou tremendamente ilusório. E, enquanto isso, ela teve que cuidar de sua mãe, que é cega e surda. Esta experiência não é incomum no Brasil; muitos pessoas das comunidades trans e travestis acabam com frequência, se voltando para a prostituição para poder sobreviver.

 
No ano passado, Aline participou de um programa de capacitação para o trabalho apoiado pela Prefeitura que paga cerca de R$ 840,00 por mês, mas não garante emprego no final. Em seguida, um amigo indicou a ela o Transcidadania. O programa – o primeiro do gênero no mundo – é o que me levou ao encontro com Aline, que está agora a caminho de concluir o ensino médio.
 
Quando pergunto o que ela quer fazer depois de completar o Transcidadania, seus olhos começam a se encher de lágrimas. Ela fica em silêncio por um momento, antes de me olhar nos olhos. “Para trabalhar”, diz ela. “Eu quero trabalhar.”

Uma nova rota para o sucesso

 
O Transcidadania foi criado em 2013 por Fernando Haddad, prefeito de São Paulo. Haddad cresceu em uma região da cidade que tinha muitas transexuais e travestis prostitutas, muitos dos quais com freqüência se encontravam em situação de violência.

Em um país que pelo menos é tolerante com os LGBT em suas grandes cidades (o casamento gay é legal e São Paulo tem a maior parada do orgulho gay do mundo), estes integrantes da sociedade ainda são marginalizados, mais do que a maioria. 

Então Fernando Haddad decidiu fazer algo e moblilizou uma equipe para divulgar e fazer chegar às pessoas trans e travestis, informações sobre o Transcidadania, junto à comunidades, pelas ruas à noite.

O programa foi lançado no início de 2014, com um orçamento de cerca de R$ 3 milhões (para os anos de 2015 e 2016) para cuidar de 100 pessoas que passam pelo programa de dois anos e que termina com a conclusão do ensino médio. Os principais critérios para a entrada: que os participantes sejam trans ou travestis, e que não tenham trabalho fixo.

O que os participantes recebem: dois anos de educação, divididos em 30 horas de atividades por semana. Depois do primeiro ano, têm pelo menos o segundo grau de escolaridade (o Transcidadania faz um teste no início do programa para determinar o grau em que estão, pois alguns participantes nem se lembram quando deixaram a escola). Muitos vão concluir o ensino médio ao final dos dois anos.

Além de ter cursos de educação geral, eles também recebem treinamento profissional. Em um curso, os participantes podem aprender a encontrar trabalho, escrever uma solicitação de emprego de forma atraente e até como ter um bom desempenho em uma entrevista. Em outro, aprendem sobre carreiras na produção de alimentos, de contabilidade e de assistência administrativa. Atividades culturais, como visitas a museus, completam a experiência educacional. 

Uma equipe de assistentes sociais, psicólogos e professores fornecem apoio emocional. Em dois dos abrigos, incluindo um, especificamente para os residentes LGBT, o programa proporciona habitação para quem precisa. Aqueles participantes que frequentam regularmente as aulas, também podem receber uma bolsa de R$ 840,00 por mês (no próximo ano o valor vai subir para R$ 900,00).


Aula de Ciências Sociais para os estudantes.
 
Dentro da sala de aula

Em uma tarde de quinta-feira chuvosa em agosto, eu decidi voltar para a escola com os alunos Transcidadania. Fui recebido na entrada da escola por Maria Adélia, coordenadora educacional do projeto.
 
Adelia se diz apaixonada pelo programa – e os participantes -, que oferece também aulas de educação para a população de adultos em geral. Segundo ela, os alunos que não fazem parte da Transcidadania, no entanto, são bem vindos “sem preconceito.” Quanto aos estudantes do Transcidadania, ela diz que “eles vêm para a aula, participam, são muito ativos.”
 
Durante o tempo que passei em uma classe de ciências sociais – um híbrido de história e ciência política – que eu achei bem realista em sua maior parte, os alunos Transcidadania são de longe os mais engajados, e eles parecem se dar bem com seus colegas de classe de educação de adultos.
 
Mas na metade da classe, uma mulher mais velha de cabelo vermelho diz a ninguém em particular: “Esta escola é bem grande, o problema é que tem bichas demais.” Então ela olhou para mim e sorriu de jeito conspiratório. A aceitação morna e discreta passou longe.

No entanto, os participantes que eu encontrei depois da aula não têm nada contra, mas só boas coisas a dizer sobre o Transcidadania. “Se eu não estivesse aqui, eu estaria nas ruas me prostituindo à noite”, diz Miuky, um travesti de 32 anos. “Eu sempre quis voltar para a escola, então, este programa é perfeito para mim.”

Ciara, um travesti de 25 anos, diz que o programa é como uma família. “É como uma segunda casa com (a coordenadora) a ‘Grande Mãe’. Quando temos problemas, ela está lá. A’Grande Mãe’ é aquela que resolve tudo”, diz ela. “Se não fosse por esta oportunidade, nós seríamos consideradas vivas, somente à noite.”

Muitos participantes são tão apaixonados pelo programa que se tornaram defensores dos direitos LGBT fora da sala de aula. Valeriah, uma mulher transexual de 35 anos, é agora candidata à Câmara Municipal LGBT da cidade.” Depois de conhecer essas pessoas, eu tenho as minhas irmãs. Mas eu quero fazer muito mais por nossos direitos à educação, benefícios e melhores empregos.”

 
Todos os participantes tem aspirações sobre o que vão fazer depois do programa. Entre suas profissões de sonho: advogado, político, enfermeiro, assistente social e designer de moda. Alguns, como Aline, aspiram simplesmente obter um emprego – qualquer um – que não envolva prostituição.
 

Equipe do programa e participantes.
 
E os próximos passos?

O programa está provando ser bem sucedido. Apenas 9% dos participantes do Transcidadania abandonam suas aulas, em comparação a 36% da população adulta em geral dos programas de educação em São Paulo, de acordo com Alessandro Melcheor, o coordenador-geral de direitos LGBT da Prefeitura de São Paulo. 

Aqueles que deixaram o programa o fizeram por conta de problemas pessoais, dependência de drogas, e no caso de três participantes, prisões por prostituição.
 
Um grande número de cidades no Brasil está pensando em replicar o Transcidadania, diz Melcheor e, outros países também têm tomado conhecimento das vitórias do programa. Funcionários dos governos do Uruguai e EUA, entraram em contato com o Transcidadania para saber o que poderiam aprender com o programa (com a esperança de, potencialmente, lançar iniciativas semelhantes). E por um bom motivo, – mesmo nos EUA, que tem avanços nos direitos LGBT – pessoas trans são quatro vezes mais propensas a viver na pobreza do que a população em geral.
 
Há ainda alguns ajustes para fazer. Apenas três dos 100 participantes são homens transexuais – algo que os funcionários e participantes atribuem à falta de visibilidade do grupo. O Transcidadania também é relativamente caro, considerando que o programa tem apenas 100 pessoas.

Melcheor admite que a cidade simplesmente não tem o dinheiro no momento para expandir o Transcidadania além do atual número de participantes. Mas ele está esperançoso para as perspectivas futuras do programa. “Simplesmente não há outro programa como este”, diz.

Ariel Schwartz no Business Insider / Austrália, para o International Reporting Project (IRP).

Tradução: São Paulo São.

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