“Não acho que meu trabalho seja uma evolução da pichação, e sim uma transição“, diz Kobra

A vida de vai e vem mostra um personagem inquieto e em constante evolução. O artista falou sobre seus murais mais recentes, processo criativo e os rumos da arte de rua no Brasil e no mundo.

Kobra defende que o Brasil está muitos passos à frente de diversas partes do mundo quando o assunto é a aceitação e admiração da arte de rua. “Eu acho que tem uma abertura grande para esse tipo de arte em vários lugares do Brasil. O que falta é incentivar mais os artistas, porque a maioria deles vem de origem simples, o que torna difícil a produção dos painéis”, afirma. Para ele, a liberação de espaços para as obras não é um problema, mas há uma diferença entre ter a autorização e ter as condições necessárias para produzir os trabalhos, como o material utilizado, por exemplo.

Várias cidades enfrentam ou enfrentaram polêmicas envolvendo a arte de rua. Em Curitiba, por exemplo, um mural da dupla OSGEMEOS foi apagado em 2014 para dar lugar à pintura do comitê de campanha da deputada Mara Lima (PSDB). Mais recentemente, a Prefeitura de São Paulo apagou obras de diversos artistas como parte do projeto “Cidade Linda”. Mesmo com os percalços, Kobra diz acreditar que o cenário está melhorando com o passar do tempo. “Em outros momentos que eu já vivi da história percebi isso. Houve momentos difíceis mas, na sequência, com bastante diálogo, as pessoas se abrem pra isso. Como foi o caso agora em São Paulo, eu percebi que a cidade se abriu para esse tipo de conversa. Acredito e tenho esperança de que isso vai ser contornado de uma forma positiva para a cidade e para os artistas”, opina.

Sobre pichação, ele é objetivo. “Eu não considero o meu trabalho melhor ou pior do que o de qualquer outra pessoa que está se manifestando nas ruas. Não me sinto apto a julgar o trabalho de ninguém. Eu acho que cada um utiliza a cidade como acha melhor. Tudo é uma consequência natural do que você está fazendo, é uma questão de escolha e uma questão do caminho que você pretende seguir”, comenta o artista, que afirma ter aprendido muito com o universo dos pichadores, do qual fez parte no início da carreira. “Eu comecei assim, mas não acho que meu trabalho seja uma evolução da pichação, e sim uma transição. Como eu já desenhava, para mim foi mais tranquilo começar a fazer grafitti. Esse já era um caminho natural para mim”, conta.

Mural “Let me be myself”, sobre Anne Frank, em Amsterdã. Foto: Arquivo Pessoal de Eduardo Kobra / Divulgação.Depois de 28 anos de carreira e com tantas obras espalhadas pelo mundo, o artista vê seu trabalho como uma maneira de enviar mensagens importantes para quem as vê. “O que é do meu interesse é usar esses espaços para falar sobre a união dos povos, independentemente de cultura, religião ou tradição. A gente vê um mundo intolerante e eu gosto de usar os muros para falar sobre isso de uma forma não agressiva, de uma forma que as pessoas consigam compreender, de uma forma mais leve.”

A série que ele está apresentando na Alemanha tem a ver justamente com essa mensagem. “Mães do Mundo” traz seis pinturas de mulheres das mais variadas partes do planeta carregando seus filhos no colo. Mostrar a beleza das diferentes etnias foi a forma encontrada por ele para falar sobre as semelhanças entre os povos.
Andy Warhol e Basquiat, a obra que encantou Madonna, no Brooklyn, em Nova York. Arquivo Pessoal de Eduardo Kobra / Divulgação.No Malawi, a convite da Raising Malawi Foundation, fundada por Madonna e Michael Berg, o desafio foi pintar obras da série “Olhares da Paz”, com personalidades que já ganharam o Prêmio Nobel da Paz. Os retratos escolhidos foram os de Nelson Mandela e Desmond Tutu. A oportunidade surgiu depois que a própria Madonna viu um mural feito por Kobra na região do Brooklin, em Nova York. Desenvolvido ao longo de sete dias, o trabalho decora as paredes de um hospital infantil.

Mural Mandela, de Eduardo Kobra, em Malawi. Foto: Arquivo Pessoal de Eduardo Kobra

De lá, o muralista foi direto para a Espanha, onde pintou o rosto de Salvador Dalí na fachada de um centro cultural. Esse foi seu primeiro trabalho em solo espanhol. “Foi uma intervenção em uma área da cidade com muitas casas e aí, como a gente pintou um prédio inteiro, teve uma repercussão grande. Muitas pessoas foram visitar, queriam entender também o trabalho.”
Mural Dalí, em Múrcia, Espanha. Foto: Arquivo Pessoal de Eduardo Kobra / Divulgação.

Ainda sem obras em Curitiba, ele afirma que realizar um trabalho na cidade acrescentaria muito à sua trajetória como artista. “Eu estou aguardando a oportunidade e dou prioridade a qualquer trabalho feito no Brasil. Se tiver o convite e tiver um espaço bacana na cidade, eu vou com o maior prazer. Quem tiver espaço disponível e quiser me enviar, quem tiver uma proposta bacana, estou aberto a conversar sobre isso”, afirma.
O maior mural do mundo, feito por Eduardo Kobra em Itapevi-SP. Foto: Cine del Valle / Divulgação.

Enquanto o convite paranaense não chega, a agenda continua cheia. Depois da Alemanha, Kobra vai passar por Itália, Portugal, Estados Unidos e Inglaterra. Em junho, ele volta ao Brasil para inaugurar o maior mural do mundo, pintado em plena rodovia Castello Branco, em Itapevi, São Paulo. O desenho mostra uma cena do processo de produção do cacau e foi encomendado pela Cacau Show. Na mesma oportunidade, ele lança o livro “Kobra”, que traz fotos e textos sobre alguns de seus trabalhos. Para o segundo semestre deste ano estão programados 28 murais em Nova York.

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Carolina Werneck especial para o suplemento Haus da Gazeta do Povo.

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