O icônico pixador #DI# ganhou um documentário

#DI# começou a pixar em 1988 e fez disso um motivo de vida. Além de se arriscar em intervenções loucas como aquelas que imprimiu nos topos de imponentes prédios corporativos e instituições artísticas, o #DI# se via como um esteta de vanguarda. Para ele, a pixação era a fronteira final do borrão entre arte e vandalismo. E ele se divertia com isso, como no clássico episódio do Conjunto Nacional, quando ele confundiu a imprensa para ver sua obra nas manchetes; ou quando cravou uma escultura de concreto, no formato do pixo que fazia, em frente ao Parque do Ibirapuera.

Por meio de depoimentos e imagens históricas, obtidas de registros que ele próprio catalogava, o filme termina por amarrar todo esse questionamento e reflete sobre intervenção urbana para além da zona de conforto. A direção é do Bruno Rodrigues, o mesmo que assina Pixoação, junto com o Dino, pixador que foi o mais longevo parceiro do #DI# na correria.

Iniciado pela dupla em 2015, o documentário deu um gás e saiu em tempo recorde depois que entraram na jogada os apoiadores Sérgio Franco, curador e doutorando em sociologia pela USP, a Jajah Filmes, o pessoal da Galeria A7MA e da Caixa Preta Graffshop. Já a trilha sonora original não poderia ter outra assinatura, senão a do Rodrigo Ogi, cujas raízes são as mesmas do personagem retratado. O MC compôs batidas especialmente pro documentário.

Em busca de sacar com mais abrangência a proposta do longa e outras percepções, colei no diretor Bruno Rodrigues para a entrevista que se lê abaixo:

VICE: Por que você achou que o #DI# valeria um documentário exclusivo?
Bruno Rodrigues: A ideia inicial de tudo foi o seguinte: eu já fiz outros documentários de pixo, e com todo esse processo de transição pelo qual a pichação está passando, ganhando espaço em galerias, cinema, todo esse reconhecimento, percebi que a maior referência da rua, pro mundo do pixo, o #DI#, estava ficando esquecido. Ele foi o primeiro pixador a implantar esse conceito de reconhecimento artístico para o movimento, e tinha ficado de fora da história, porque surgiram personagens da rua dando voz apenas para si mesmos. A partir do momento em que eu conheci o Sérgio Franco, que foi o curador da exposição, e que é o pesquisador de maior referência sobre a relação entre pixo e arte, nós nos deparamos com muita informação, e falei pra ele que precisávamos fazer um trabalho contando toda essa história do #DI#. O início de tudo foi isso. Era necessário dar voz a ele, mostrar a história dele.

O #DI# foi uma figura inovadora do pixo aqui em São Paulo, com certeza. Mas e no Brasil?
Podemos sugerir que ele foi pioneiro do Brasil, porque São Paulo é a capital do pixo, está muito à frente de outros estados nesse quesito. Ele não tinha o estudo que o Rafael PixoBomb teve. O Rafael estudou, entrou na universidade, pra conceituar as paradas. O #DI#, não. Ele foi pela pura iniciativa própria. Ele pixou o prédio da Bienal de Arte de SP, ele fez a instalação de concreto do pixo dele, colocou lá no Parque do Ibirapuera, o Monumento #DI#, e ele criou um troféu da pixação dele também, pois ele alegava que tudo o que tinha feito pela cidade precisava de um reconhecimento. Aí, além desse troféu e do monumento, ele redigiu uma carta, aos 17 anos, e enviou ao governador da época pedindo esse reconhecimento.

Dá pra falar que ele abriu caminhos para que outros caras e minas fossem mais ousados?
Tudo isso ajudou a criar em outros pixadores a coragem e iniciativa para os ataques que rolaram em 2008, com o Rafael. Ele foi abrindo caminhos. O #DI# foi o primeiro.

O pixo do #DI# era daora porque parecia uma espécie de emblema…
Naqueles anos a caligrafia era totalmente diferente. Era bem mais simples. Hoje, com todo esse avanço que teve, do movimento pixo, a caligrafia já é mais agressiva. Dificilmente, quem não faz parte do movimento consegue decifrar. O pixo do #DI# tinha isso, e até quem não era do movimento conseguia entender.

Cena do documentário DI# Pichar é Humano. Imagem: Divulgação.

A colaboração do Dino no documentário foi na condição de fonte?
O Dino conheceu o #DI# pessoalmente. Por mais que ele não tenha pegado o começo do #DI# lá em 1988, ele foi o pixador que conseguiu acompanhar toda a história. Ele vive no pixo até hoje. Já as pessoas que começaram com o #DI# lá no final dos anos 80 parou depois de um, dois anos. Mas o #DI# seguiu. E a mesma coisa foi acontecendo com outros parceiros, que depois de um ou dois anos, paravam. O Dino entra na história a partir de 93. Eles viraram parceiros, o #DI# apresentou a cidade pra ele, e ele continuou, acompanhou o #DI# até o fim. Ele vive o mundo do pixo. Por isso que, quando veio a ideia de fazer esse trampo, ele tinha que ser a fonte. O Dino foi a fonte de tudo. O auge do #DI#, até a morte, ele acompanhou.

E o lance da morte do #DI#? Vocês investigaram se foi por vingança, alguma parada assim?
Isso foi uma preocupação que tivemos. O #DI# tinha um lado divertido e brincalhão, então não sabíamos como retratar esse lance triste. A história real é que na época ele estava querendo voltar a estudar, e colou na escola pra fazer a matrícula. O Dino também estava, na época, a mulher do #DI#… E a lanchonete onde eles pararam tinha um banheiro unissex. O #DI# foi usar o banheiro, e tinha uma mulher saindo. Nessas, a mulher causou o maior alvoroço lá, sugerindo que ele tinha ido atrás dela no banheiro, que ele tinha faltado com o respeito. E naquele tempo rolava muita história de justiceiro. Um cara que presenciou a discussão saiu, voltou armado, e matou o #DI# na frente da escola. Na página do filme no Facebook tem até essa matéria postada. No filme a gente não entra muito em detalhes, só mostra mesmo o título da matéria: “Jovem é assassinado em porta de escola após discussão em bar”. Aí entram uns personagens com depoimentos sobre essa história, mas coisa bem rápida. Foi uma coisa de acaso, mal-entendido total. Uma fatalidade. Inacreditável.

Fale um pouco sobre a narrativa do documentário pros leitores.
A ideia do roteiro era aproveitar o cenário atual do pixo, do questionamento artístico. Então o filme vai pra esse lado, de colocar o #DI# como um contestador da arte. Preferimos mostrar os pensamentos que ele tinha vinculando o pixo à arte. Isso é colocado a partir de entrevistas com os personagens da época, alguns que viveram a raiz do #DI#, outros, sociólogos, que colocam o conceito em cima da história, artistas plásticos, grafiteiros referência na rua, que conhecem e se inspiram na trajetória dele. É mais ou menos isso. Entrevistas e arquivo dele.

Cena do documentário DI# Pichar é Humano. Imagem: Divulgação.

Esse material de arquivo foi garimpado como?
Os arquivos são fotos do rolê dele na cidade, reportagens da época, sobre o lance do Conjunto Nacional… O filme foi todo feito em cima de material de arquivo dele mesmo. E sobre o material, o #DI# também é pioneiro nisso, na questão de registrar a própria história. Porque a pixação é efêmera, ela apaga. Então, a partir de 1990, ele começa a perceber que o rolê dele estava se perdendo. Por isso ele teve essa preocupação de registrar. Começou a bater foto, guardar reportagens. Muita coisa se perdeu, mas ainda existe uma pasta só de fotografia e uma só de reportagens.

Com quem estão essas pastas?
Esse material está na mão do Rafael PixoBomb, o cara que invadiu a Bienal. Mas como as pastas foram parar na mão do Rafael, a gente não sabe direito. Porque quando o #DI# morreu, ele já tinha um reconhecimento na rua. Então o irmão do #DI# começou a vender e dar as fotos… Não sei se o Rafael ganhou ou comprou. Segundo o Dino, o que ficou na mão do Rafael representa só 40% do arquivo original, e olha que a pasta do cara tem muita coisa. O pensamento que eu tenho sobre essa pasta é que um dia ela valerá muito. Faz sentido ela estar na mão do Rafael porque ele é um cara que estudou, planejou um ataque, calculou até onde poderia chegar essa coisa da invasão.

Vocês demoraram quanto tempo desde o começo do projeto até a sua conclusão?
O trabalho começou sem investimento de nenhuma marca, totalmente autônomo. Tive a ideia em 2014, aí levei a proposta pro Dinho, ele curtiu, e no começo de 2015 a gente começou a gravar, só que sem prazo. Mas aí o projeto deu um gás quando surgiu o Sérgio Franco e a Galeria A7MA. O Sérgio achou muito importante contar a história e reunir o material, e a galeria queria fazer a exposição o mais rápido possível. Quando rolou a exposição, nós ainda estávamos fazendo o documentário. A parceria agregou força pra finalizar, sobretudo quando surgiu a Jah Jah Filmes, que é parceira da galeria. Se fosse no nosso tempo ainda não teria saído o filme, porque era tudo do nosso bolso, né.

Onde mais o documentário será exibido nos próximos meses?
Depois do MIS, vai rolar dia 23 Gambalaia, em Santo André, e no dia 30, na Galeria Olido. E tem mais duas datas pra novembro, dia 5 na Fábrica Capão, e, dia 11, na Fábrica Vila Nova Cachoerinha. Passadas essas sessões, vamos começar com as exibições nas ruas, ao ar livre, com telão e tudo, pra todo mundo ver.

***
Por Eduardo Ribeiro na Vice Brasil.

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