Sobre alimentos saudáveis, cozinheiro: o que você está esperando?

Eventos como Frut.o, (promovido pelo Instituto ATA do chef Alex Atala) mas não só ele, têm repetido à exaustão os argumentos em prol da alimentação limpa, sustentável, de matriz artesanal, etc. Há mais de uma década se sabe sobre o mal que fazem os venenos, a alimentação imprópria dos animas dos quais nos servimos, ou a superioridade da produção agroecológica vis a vis a convencional.

É que nem toda a sociedade apresenta o mesmo grau de esclarecimento, permitindo que os consumidores exijam para si aquelas coisas que sabidamente fazem mal. Mas, tal e qual o cigarro, é possível estabelecer padrões de consumo aceitos mesmo que contrarie certa parcela do mercado.

É claro que o caráter impositivo das leis ajuda a adoção de padrões de consumo mais compatíveis com os padrões de saúde. Mas isso não é o ideal, que se situa na mudança comportamental consciente.

O chef de cozinha tem um poder impositivo que não deriva da lei mas, sim, do exemplo que decorre da adoção de práticas sintonizadas com o futuro desejável. Banir o uso de vegetais portadores de doses excessiva de veneno – como o tomate, o pimentão, a cenoura, etc – ou peixes criados em condições alimentares impróprias, etc, é o que se espera deles. Que adotem o salmão selvagem, em substituição ao animal doente, de cativeiro, com o que o Chile infesta o mundo. É um pouco mais caro? É. Mas é infinitamente mais saudável. Não é só o peixe que morre pela boca.

As propriedades do salmão selvagem (esquerda) – pescado de maneira natural - são diferentes do salmão cultivado em cativeiro. Imagem: Reprodução.

Agora mesmo o país é surpreendido pela advertência da Rússia de que não mais comprará soja do Brasil se os níveis de utilização dos venenos não estiver adequado aos padrões internacionais, inferiores aos que o agronegócio brasileiro utiliza e pretende incrementar.

Os chefs que resistem à reconversão da sua cozinha aos padrões de saúde desejáveis em geral alegam, em defesa, a resistência dos clientes à adoção das novas práticas. Todos os dias, um exército de trabalhadores, indiferentes ao mal que possa fazer para si, exige à mesa sua dose de salmão, por exemplo. O chef se acovarda diante da necessidade de dizer NÃO em prol da saúde pública e, lamentavelmente, se curva.

Devido à alta quantidade de agrotóxico na soja proveniente do Brasil, a Rússia poderia proibir temporariamente a importação do produto. Foto: Getty Images.

Não se faz uma revolução nos costumes curvando a espinha. Não se faz o bem senão abolindo o comprovadamente mal. Os chefs deveriam se dar as mãos, associar-se em confrarias-do-bem, agroecológicas, por uma alimentação limpa, etc – reforçando-se uns aos outros para fazer essa difícil travessia diante da resistência da clientela. Não devem se esquecer: seu poder de imposição é pedagógico, necessita mais e mais da criação de novos consensos, o que não se atinge pelo comodismo ou covardia diante das dificuldades esperadas.

Passar do conhecimento à ação é que são elas. Os chefs de cozinha sabem do poder de imposição social que possuem em se tratando de novos hábitos alimentares. Ele pode “inventar moda” e por isso mesmo ser aceito pela sociedade que cultiva o valor da inovação. Então, por que eles não põem em prática o banimento dos alimentos nocivos aos seus clientes?

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Carlos Alberto Dória, sociólogo e conselheiro do São Paulo São, tem vários livros publicados sobre sociologia da alimentação. Mantém e edita o blog e-BocaLivre.

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